PD #49 – Cristovam Buarque: Coesão, rumo e esperança

Em 2018, o Brasil vai eleger o presidente que dirigirá as festividades do segundo centenário de nossa Independência e governará o primeiro ano de nosso terceiro centenário. Chegamos a este momento  com  o  país  em  um  processo de desagregação social: violência generalizada; persistência de pobreza e de concentração de renda, tanto social quanto regional; descrédito político; instabilidade jurídica; déficits fiscais; endividamento geral; meio ambiente degradado; defesa nacional ameaçada pela falta de Forças Armadas bem equipadas.
Foto: Agência Senado
Foto: Agência Senado

Em 2018, o Brasil vai eleger o presidente que dirigirá as festividades do segundo centenário de nossa Independência e governará o primeiro ano de nosso terceiro centenário. Chegamos a este momento  com  o  país  em  um  processo de desagregação social: violência generalizada; persistência de pobreza e de concentração de renda, tanto social quanto regional; descrédito político; instabilidade jurídica; déficits fiscais; endividamento geral; meio ambiente degradado; defesa nacional ameaçada pela falta de Forças Armadas bem equipadas.

No tempo em que ocorre uma profunda revolução tecnológica no mundo, o país ingressará no seu terceiro centenário com baixa produtividade, falta de competitividade e inovação, educação precária e desigual, baixa capacidade para criação de ciência e tecnologia. Um país sem unidade no presente e sem sintonia com o futuro da humanidade.

Se esta situação perdurar por mais algumas décadas, além das dramáticas consequências da desagregação social, o país ficará para trás no cenário das transformações que ocorrem no mundo. Aconteceu isso na Primeira Revolução Industrial, quando preferimos as amarras da escravidão e da economia agrícola exportadora, sem buscar capacidade educacional ou técnica, nem a dinâmica do trabalho livre. Também na Segunda Revolução, quando escolhemos o protecionismo, a falta de educação, de ciência e tecnologia, mantendo a economia primária agrícola e metalmecânica.

Mais uma vez, estamos ingressando em novos tempos sem os necessários ajustes social, econômico, educacional, científico e tecnológico; sem instituições políticas eficientes e sob grave crise moral. Ao descrédito na política, soma-se a falta de visões que orien- tem o rumo do país, de acordo com as tendências do mundo em rápida transformação. Além dos maus políticos que nos conduziram a esta situação, não contamos com filosofias políticas apontando orientação conceitual ao processo de evolução social e econômica.

Mesmo sem esta orientação, o próximo governo deverá trazer  à sociedade brasileira uma estratégia que, sem ignorar a crise no presente, ofereça um caminho para o futuro; que, além da reto- mada da coesão nestes próximos anos, indique um rumo para o país ao longo das próximas décadas.

A coesão

O primeiro passo para a busca de coesão está em recuperar a credibilidade e o respeito da sociedade em relação a seus dirigentes e políticos em geral. Para isso, o próximo governo deverá:

  1. Extinguir todos os privilégios e mordomias que beneficiam os quadros dirigentes do setor público, em todas as instâncias governa- mentais, e eliminar os privilégios financiados com recursos públicos para favorecer sócios e funcionários de empresas privadas.
  2. Aprovar reforma na Justiça e na Segurança para acabar com a impunidade, inclusive eliminando a manipulação do tempo de julgamento por motivo de expedientes protelatórios.
  3. Garantir transparência nas relações entre os poderes, de maneira a impedir o Poder Executivo de dominar o Poder Legislativo ou o Poder Judiciário, por meio de cooptação, “mensalão” ou nomeação de parlamentares para  ocupar  cargos  públicos, por nepotismo e fisiologismo.
  4. Adotar o mérito como mecanismo para nomeação e estabilidade de servidores públicos, em todos os níveis, desde as mais altas direções.
  5. Apresentar e fazer aprovar uma reforma tributária, que seja fortemente progressiva e simplificadora, e que transfira para aqueles que têm mais recursos os pagamentos de impostos, colocando fim à aberração hoje predominante, na qual proporcionalmente os que pagam mais são os que menos deveriam fazê-lo; e também acabando com as brechas e complicações das regras tarifárias que enriquecem mais especialistas em tarifas do que o Tesouro.
  6. Enfrentar o crime organizado e a violência urbana, com responsabilidade e intervenção das três esferas de governo: federal, estadual e municipal.
  7. Apresentar e fazer aprovar uma reforma política eleitoral capaz de reduzir drasticamente o custo das eleições no país (chega a R$ 60 bilhões por ano), e fazer a democracia funcionar sem corporativismo, nem imediatismo.

 

O rumo

Ao lado da criação de um sentimento de coesão, o próximo governo deve definir um rumo para as próximas décadas, sintoni- zado com o futuro das transformações em marcha no mundo, procurando:

  1. Superar o quadro de pobreza por meio de aumento na produtividade média da economia, graças à educação de quali- dade; e distribuir a renda, graças à oferta de educação de base com qualidade para todos, independentemente da condição da família. Para isso, implantar um sistema nacional de  educação nas cidades que não tenham condições de oferecer educação de qualidade para suas crianças.
  2. Assumir compromisso com a ideia contemporânea de que o papel de toda economia é ser eficiente. É possível ter economias eficientes com sociedades injustas, mas não há sociedades justas com economias ineficientes. A justiça social se faz por decisões políticas para definir as prioridades no uso dos recursos, criados pela economia eficiente.
  3. Comprometer os governos com o interesse da coletividade, por meio das permanentes parcerias estatal-privadas vinculadas ao bem-estar da população e à eficiência da economia e da sociedade.
  4. Considerar como prioritária a luta contra todas as formas de corrupção, sejam relacionadas ao comportamento de políticos e servidores de governos, bem como a corrupção nas prioridades  e a  corrupção  dos  desperdícios  no  uso  dos  recursos  públicos.  A definição de prioridade não sendo apenas uma questão política, mas também ética; tanto quanto a boa gestão deve ser não apenas uma questão técnica, como também ética.
  5. Entender que, no tempo da economia e da sociedade do conhecimento, a eficiência e a justiça são conquistadas pela educação, a ciência e a tecnologia.
  6. Construir um Sistema Nacional do Conhecimento e da Inovação que alavanque o progresso econômico e social ao mobilizar universidades, instituições de pesquisa e empresários, levando o Brasil a ser um celeiro de conhecimento, nos padrões das sociedades mais modernas.
  7. Levar adiante todas as reformas necessárias para desamarrar o Brasil, permitindo ao país marchar para o uso pleno de seus recursos: desamarrando as forças intelectuais, pela educação; as forças econômicas, pela desburocratização e pela adaptação das leis que regulam a relação capital e trabalho; as forças financei- ras, pela garantia de sustentabilidade fiscal e econômica, no longo prazo. No caso do atual sistema de previdência, fazer a reforma necessária para eliminar as desigualdades no tratamento dos aposentados e dar sustentabilidade ao sistema, conforme as novas características etárias da população.
  8. Executar um programa de recuperação dos rios e de proteção das florestas.
  9. Erradicar o analfabetismo de adultos e assegurar a alfabetização de crianças na idade escolar.
  10. Conduzir a sociedade brasileira para uma estrutura onde haja um Piso Social, abaixo do qual nenhum brasileiro será deixado, e um Teto Ecológico, acima do qual o consumo depreda dor não será permitido.
  11. Assumir compromisso com a responsabilidade fiscal e com a independência do Banco Central, como forma de manter a estabilidade monetária, considerando-a uma condição básica da cidadania e dos direitos humanos.
  12. Manter a soberania do Brasil como parte do inexorável processo de globalização, com seus riscos e possibilidades.

 

A esperança

O Brasil perdeu, no passado, as chances oferecidas pelo avanço tecnológico e científico: a sociedade escravocrata aboliu a escravi- dão, mas continuou com a economia agrícola, mineradora e incor- porou a indústria metalmecânica. O desenvolvimento industrial, no século 20, manteve a depredação da natureza, a aberração da concentração de renda, o desprezo à educação e ao conhecimento; e chega ao século 21 com sua marcha ao futuro interrompida.

O país parece não ter vocação para orientar-se em direção ao futuro, mantendo-se prisioneiro do passado, mesmo  quando cresce economicamente, urbaniza-se, aumenta o número de universitários, implanta moderna rede de comunicações. Esses avanços não têm deixado o país com a modernidade que se necessita: renda per capita alta e bem distribuída; natureza equilibrada; política democrática decente e comprometida com a nação  e seu futuro; cidades eficientes, bonitas e pacíficas; diversidades respeitadas; processo econômico eficiente e tecnologicamente avançado. Avançamos, mas ficamos para trás em relação ao resto do mundo e aos nossos sonhos.

O principal entrave para o país avançar, de maneira satisfató- ria, está na concepção obsoleta de progresso, no individualismo, na continuação do aristocracismo, na permanência do sentimento escravocrata: o progresso é visto apenas como aumento do PIB, mesmo com baixa produtividade e reduzida renda per capita, com destruição da natureza e concentração de renda social; a educa- ção de base com qualidade para todos, independentemente da classe, não é vista como condição para o progresso econômico e social; a universidade é vista apenas como escada social para  cada aluno, não como alavanca para o progresso nacional da humanidade. O individualismo, o imediatismo e o conservado- rismo são sentimentos arraigados que impedem o rumo em dire- ção a uma nova modernidade.

A eleição de 2018 pode ser mais um risco de apenas mudar os nomes dos dirigentes, sem mudar a realidade política, econômica  e social do Brasil; ou pode ser o momento do debate pela mudança fundamental que o país precisa na direção de seu futuro. É muito possível que o debate do novo não eleja políticos hoje, mas há momentos na história em que tal debate é mais importante do que a ilusão de cargos para manter o país em uma direção que conti- nuará sua marcha rumo a um projeto antigo que já se esgotou.

Cada partido deve escolher entre ser um farol para o novo, mesmo sob o risco do fracasso no presente, ou adaptar-se ao escuro do túnel em direção a um desastre social próximo: a continuação do atraso e o aprofundamento da desarticulação social. O Brasil precisa mais de partidos-farol, mesmo que na oposição, do que partidos no poder, viciados no túnel sem luz em que estamos.

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