PD #49 – Marcos Cintra: Ajuste fiscal e disputa orçamentária

A literatura econômica comprova que ajustes fiscais duradouros e de boa qualidade são os que cortam gastos sem aumentar impostos. Se bem executada, esta política possui nítidas vantagens: corta gorduras e ineficiências, combate os rent seekers (agentes que tentam obter renda manipulando o ambiente político), reduz a corrupção, diminui a demanda do setor público por poupança privada e preserva a capacidade de investimento das empresas. Já os ajustes que aumentam tributos não apresentam as mesmas qualidades.
Foto: Beto Barata/PR
Foto: Beto Barata/PR

A literatura econômica comprova que ajustes fiscais duradouros e de boa qualidade são os que cortam gastos sem aumentar impostos. Se bem executada, esta política possui nítidas vantagens: corta gorduras e ineficiências, combate os rent seekers (agentes que tentam obter renda manipulando o ambiente político), reduz a corrupção, diminui a demanda do setor público por poupança privada e preserva a capacidade de investimento das empresas. Já os ajustes que aumentam tributos não apresentam as mesmas qualidades.

Nesse sentido, o governo acertou ao colocar a ênfase inicial  de seu esforço fiscal nos cortes de gastos e na aprovação da Lei  do Teto. Contudo, a gestão de gastos tem se mostrado incapaz de cortar despesas para atingir as metas de déficit primário. Além disso, vem impondo restrições orçamentárias de forma indiscriminada, sem critérios claros e racionais. Em parte, a estratégia do governo enfrenta dificuldades por repetir o erro cometido em 2015 pelo então ministro Joaquim Levy, que, em vez de fazer o ajuste fiscal de forma concentrada em medidas estruturais fortes e definitivas, optou por uma estratégia fragmentada com cortes de gastos pulverizados e sem avaliação objetiva de impactos e resultados de suas ações.

São notórias as dificuldades de cortar gastos públicos em sociedades como a brasileira, onde imperam o clientelismo e o corporativismo. A fragmentação das restrições orçamentárias em inúmeras pequenas ações amplia os focos de resistência e estimula a formação de frentes amplas contrárias aos cortes de  gastos. O resultado é previsível: o governo foi forçado a ampliar a meta de déficit primário e, ao mesmo tempo, aumentar a carga tributária, uma tóxica combinação de políticas econômicas se se pretende recuperar a economia.

A questão que surge, portanto, é como promover ajustes fiscais sem aumentos de tributos e, ao mesmo tempo, cortar despesas minimizando seus impactos negativos na retomada da economia. A necessária determinação de cortar gastos vem sendo executada pelo governo de forma canhestra ao impor cortes indiscriminados aproximadamente lineares na lista de rubricas orça- mentárias. Não cumpre, assim, o compromisso de implementar o orçamento base zero, proposta que constava no plano de governo do PMDB, a Ponte para o Futuro, que visava introduzir mais racionalidade no processo orçamentário.

O orçamento público brasileiro é incremental. As propostas de alocação de recursos para exercícios futuros tomam como baselines os projetos e programas em execução no exercício em curso. Essa prática adota como premissa que os gastos e ações em execução são justificáveis pelo simples fato de já existirem, cabendo aos que elaboram, aprovam e executam os orçamentos públicos interferirem apenas em decisões marginais de acréscimos ou de reduções incrementais.

Planos, programas, ações e atividades, uma vez incluídos no orçamento público, não são avaliados mais à frente para justificar sua continuidade, ou eventual eliminação. Dessa forma, os orça- mentos tornam-se rígidos e, com o passar do tempo, carregados de vinculações legais. Muitos se tornam obrigatórios e, portanto, inflexíveis para baixo.

O orçamento base zero inverte a lógica atual e tem a grande qualidade de partir periodicamente de uma página em branco e, assim, requerer permanente acompanhamento e avaliação de resultados das atividades públicas. Cada projeto, novo ou preexis- tente, deve passar por rígida avaliação custo-benefício antes de  ser mantido, redimensionado ou, o que é raro no Brasil, eliminado da peça orçamentária anual para abrir espaço aos  programas com retorno social.

Com o orçamento base zero, até o conceito de divisão de gastos públicos em obrigatórios e discricionários perde sentido, subme- tendo-os unicamente à lógica da eficiência. O ajuste fiscal em andamento, que recai exclusivamente sobre a pequena parcela discricionária (cerca de 4% do total dos gastos), é perverso, pois não adota critérios claros e racionais para determinar os bloqueios de recursos entre as áreas orçamentárias.

Não há ações claramente visíveis no sentido de cortar ineficiências e privilégios, que deveriam ser totalmente eliminados para garantir a continuidade de programas com altas taxas de retorno social, como educação, saúde e ciência e tecnologia. Com  a utilização do orçamento base zero, a área de ciência, tecnologia   e inovação, por exemplo, jamais teria redução em sua dotação, como vem ocorrendo hoje. Pelo contrário: não só manteria os recursos, como ainda poderia receber aportes adicionais originá- rios de unidades orçamentárias que pouco agregam à sociedade.

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