Paulo Baía: A intolerância, o racismo, a ciência política e a UFRJ

Foto: Divulgação
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Considero ruim, péssimo, ter que escrever esse artigo, na medida em que esta questão deveria ser tratada exclusivamente no âmbito da UFRJ

Paulo Baía / Cidadania e Política

O Departamento de Ciência Política do IFCS/UFRJ é um dos herdeiros do setor de política da antiga Faculdade Nacional de Filosofia e tem como histórico, desde 1972, quando entrei no IFCS-UFRJ como estudante, ambiguidades, obscuridades, conflitos sem foco, genéricos e egocentrados, intolerâncias pessoais, irracionalidades comportamentais e administrativas, individualismos fóbicos; ou seja, não se constitui como uma unidade funcional, acadêmica, profissional, educacional, pedagógica. Defino o DCP-IFCS como um organismo disfuncional, anômico, no estreito sentido que Émile Durkheim dá ao conceito de anomia. Foi criado para não ter projeto coletivo, projeto educacional, projeto de universidade, projeto de cidadania republicana. Exemplos de episódios rotineiros como disfuncionalidade não faltam, pelo individualismo fóbico associado à baixa produtividade acadêmica, universitária e a um diletantismo narcísico predador dos ethos de sociabilidade e possibilidades de convívio.

O DCP-IFCS teve a oportunidade de desenvolver um programa de pós-graduação em ciência política, que foi mais uma experiência de disfuncionalidade e predação institucional e pessoal. A pós-graduação do Departamento de Ciência Política da UFRJ foi de curta existência e traumática, foi descredenciada pela CAPES por incompetência e improdutividade.

A reunião do dia 11 de agosto de 2021 seria mais um encontro de agravos e deselegâncias existenciais rotineiras, caso não tomasse a dimensão extramuros, do cercadinho narcísico, transbordando os conflitos pessoais permanentes e irreversíveis para fora do departamento, envolvendo todo o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, a estrutura superior da UFRJ, assim como todas as associações científicas, acadêmicas e profissionais das ciências sociais.

A discussão entre dois professores, que não se gostam, não se toleram, foi no mínimo deselegante e, no limite do limite, agressiva, por divergências administrativas, de pensamento acadêmico, social, de mundo, de vida e políticos, por interesses pessoais distintos.

Extrapolou para uma acusação de racismo de um professor contra outro, de racismo estrutural e permanente da UFRJ contra um professor preto por ser preto, fora da reunião, bem depois do encontro disfuncional, nos espaços públicos da atualidade.

O foco da reunião, mais uma entre tantas, extrapolou a rotina profissional, acadêmica, funcional, demonstrando mais uma vez o que classifico como disfuncionalidade estruturante e predatória do Departamento de Ciência Política.

Sempre lembro que esse departamento faz questão de esquecer que teve como professor catedrático o equilibrado e notável Vitor Nunes Leal, que chegou ao posto de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) da república, como professor de Ciência Política da Universidade do Brasil, sendo um dos pioneiros que gestaram a ideia de ciência política no Brasil, na Universidade do Brasil e na UFRJ.

Quero acrescentar, ressaltar, que considero ruim, péssimo, ter que escrever esse artigo, na medida em que esta questão deveria ser tratada exclusivamente no âmbito da UFRJ, na Congregação do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais e das Instâncias Superiores da UFRJ.

Entretanto, o que nós estamos vendo e vivenciando é uma campanha publicitária, muito bem articulada, que já conta com mais de mil assinaturas em diversos abaixo-assinados on-line, com várias cartas manifestando apoio incondicional à acusação de racismo da UFRJ e do professor Josué Medeiros no Brasil e no exterior.

Matérias jornalísticas às dezenas, nas mais diversas mídias nacionais e internacionais, ratificando o racismo estrutural, permanente e o que isso significa, da UFRJ e do professor Josué Medeiros.

O apoio irrestrito à acusação de que o professor Josué Medeiros é racista e tem que ser afastado imediatamente da UFRJ virou um mantra, um salmo.

Fui chamado para apoiar esse movimento contra a UFRJ e o professor Josué Medeiros como racistas, para assinar petições on-line ou manifestar repúdio ao professor Josué Medeiros e à UFRJ como racistas estruturais, dar declarações na imprensa, nas mídias e redes digitais apoiando incondicionalmente o professor Wallace Moraes como vítima de racismo.

Não fiz isso, me recusei a entrar em um movimento de efeito manada, de torcedor revoltado de time de futebol, de facção e/ou partido.
Fiz o que sempre faço, fui buscar informações, fui apurar, fui escutar atentamente, nos detalhes, todas as versões, sentimentos e opiniões de quem participou da reunião fatídica, mais uma reunião do disfuncional e predador Departamento de Ciência Política do IFCS-UFRJ.

As acusações do professor Wallace Moraes contra o professor Josué Medeiros, a chefia do DCP-IFCS e a própria UFRJ se tornaram um debate público protagonizado por personalidades e ativistas de múltiplos movimentos políticos, estranhos aos quadros profissionais da UFRJ e sua imensa comunidade acadêmica. O que não significa um equívoco, mas uma imprudência, ao se tornar um debate público, midiático.

Sendo eu um intelectual público, um ativista dos direitos humanos, um ativo humanista e homem público no Brasil e professor da UFRJ, me manifestei inicialmente com uma carta aberta pública em que chamava atenção para a ideia de que o professor Wallace estava tendo uma visão ficcional da realidade, afirmativa que refaço nesse artigo, pois ao ouvir com mais detalhes vários relatos da reunião do dia 11 de agosto e do próprio professor Wallace Moraes, percebo que ele teve sua postulação, legítima, para participar como avaliador de uma banca de concurso público do DCP-IFCS desqualificada de forma deselegante, no limite máximo, com intolerância acadêmica e profissional, por uma ação de maioria eventual, como é a prática do DCP-IFCS. O professor Wallace Moraes teve a percepção de que estava sendo acuado em sua postulação administrativa/acadêmica e sua posição como docente escanteada no momento da reunião.

Todas e todos os participantes dessa reunião do DCP-IFCS do dia 11 de agosto foram responsáveis pelas deselegâncias, arrogâncias e intolerância acadêmica que descartaram a presença do professor Wallace Moraes como membro titular da referida banca de avaliação para um concurso público de muitos concorrentes, houve silêncio generalizado no instante da tomada de decisão da maioria do colegiado do DCP-IFCS.

Semanas depois do dia 11 de agosto formou-se uma estrutura profissional de comunicação e divulgação de uma acusação de racismo na reunião, uma estrutura de marketing de combate, de marketing de aniquilação, exigindo punição imediata para o professor Josué Medeiros e a chefia do DCP-IFCS. O pedido de apuração administrativa não era o foco, era secundário, alegórico, uma cereja no bolo punitivista de uma sentença já lavrada. Uma instrumentalização, aparelhamento indevido da acusação de racismo contra a UFRJ e o professor Josué Medeiros, que não posso apoiar em nenhuma hipótese.

A esse cenário de punitivismo preventivo, de linchamento moral de reputação, aniquilação midiática e condenação antecipada do professor Josué Medeiros, se juntou um vídeo de combate tecnicamente perfeito para o ataque a um inimigo individual, o professor Josué Medeiros, e as ciências sociais e demais ciências como um todo racistas, a atual UFRJ como uma instituição racista no tempo presente.

O vídeo profissional de marketing político de combate, de aniquilação, traz muitos perigos em função dos seus impactos psicossociais e/ou emocionais, com possibilidade efetiva de formação de um ‘ethos’ guerreiro, justiceiro, como nos ensina Norbet Elias, em algum jovem militante mais sensível ao chamamento e incentivo do vídeo tão bem elaborado, produzido e divulgado.
Como disse, o vídeo é uma peça de marketing político de combate irretocável, de aniquilação, pelo estilo de narrativa e estética audiovisual.

Logo, não é razoável que esse vídeo esteja circulando, pois ele estimula o ódio, a vingança, mesmo que contra uma posição que se considere injusta.
O vídeo e as demais ações de marketing político de combate, de aniquilação dos inimigos, a UFRJ e o professor, tem um elevado poder de destruição emocional e física do professor Josué Medeiros e de quem não é a favor, de maneira irrestrita, ao professor Wallace Moraes.
O foco no professor Wallace Moraes, no referido vídeo, o apresenta como um personagem “vítima irreversível e permanente” de racismo por ser o único professor preto do DCP-IFCS.

Na minha avaliação como especialista em campanhas políticas, é um vídeo manipulador, que instrumentaliza, de forma egocentrada, narcísica, as teses do racismo estrutural como definidas pelo professor Silvio de Almeida, do lugar de fala dos movimentos identitários exclusivistas, da legítima e histórica luta antirracista no Brasil e da tese da epistemologia do sul, formulada pelo sociólogo português Boaventura Santos.

O que torna o vídeo uma peça perigosa, pois articulações sob impacto do vídeo são fechadas a apurações diferentes da já definida como a verdade absoluta em sua estética e fala. O vídeo afasta as negociações de conflitos e mediações, direito à defesa, por mais singela que seja; pois para uma guerra de posições, de narrativas, não importam os fatos apurados ,o tempo, o espaço e as verdades diferentes reveladas por investigações técnicas e legais. O cálculo político do marketing de combate é a aniquilação do inimigo de imediato, tornando essa peça publicitária um “tiro de canhão” com objetivo de “rendição incondicional” ou “morte simbólica” dos inimigos elencados no vídeo, a UFRJ e o professor Josué Medeiros.

As teses e o argumentos do vídeo são potentes, aniquiladores, definitivos.

A história começou pelo fato de o professor Wallace Morais ter se sentido discriminado por racismo pela fala do professor Josué Medeiros, o que é um sentimento legítimo e inalienável do professor Wallace Moraes, é um sentimento individual, uma emoção íntima do professor Wallace. Quem sente a dor é ele, por suas vivências psíquicas, emocionais e suas subjetividades íntimas, mais ninguém.
O professor Wallace Moraes tem o irrestrito direito de ter suas emoções e sentimentos da maneira que as classifica em sua individualidade, em sua intimidade.

Essa questão vem sendo discutida nas teses que abordam o racismo estrutural, via Silvio de Almeida, na longa história escravista e brutal de cinco séculos no Brasil, nos estudos de traumas emocionais, psiquiátricos, psicanalíticos e de psicologia política. Ao mesmo tempo, é colocada dentro de um movimento sociopolítico por jovens que se autoproclamam libertários e/ou decoloniais, se articulando com a proposta de construção de epistemologias a partir do Sul Global, negando o movimento iluminista e seus legados ao longo de alguns séculos.

Esse movimento coloca em questão a noção de que a epistemologia do Norte Global não contempla as demandas e as realidades do Sul Global, chamando atenção para o fato de que tudo que foi feito nas ciências sociais deve ser descartado por ser colonizado, imperialista, escravista e racista, pois não representa a realidade social na qual estamos inseridos de fato. As ciências humanas são uma invenção colonial, na avaliação da maioria dos decoloniais e/ou libertários, ao estilo Charles Mills, nada serve.

Charles Mills, o esclarecidíssimo filósofo e pensador jamaicano, para chegar à frase “nada serve” , só “a filosofia africana”, conhecia profundamente toda a produção filosófica e de teoria social feita em cada recanto do mundo, de sul a norte, de oeste a leste.

No entanto, tenho críticas e reações a esse movimento de desmonte dos saberes, que chamo de ” metodologia do desfazimento”. Sou muito grato pelo histórico das ciências sociais, pelo saber científico construído ao longo dos séculos pela humanidade, remontando aos saberes do mundo grego romano, da eclética Europa, dos norte-americanos, canadenses, argentinos, mexicanos, dos saberes asiáticos, latinos, africanos e dos ameríndios, mesmo que os ressignificando, os recontextualizando ou os contestando com evidências de pesquisas empíricas ou teóricas, como Alberto Guerreiro Ramos, Anísio Teixeira e Mário de Andrade fizeram com eficiência e eficácia.

As influências de Alberto Guerreiro Ramos, suas teses sobre “reducionismo sociológico’ e “uma sociologia em mangas de camisa” são tatuagens em minhas percepções e análises.

Continuo gostando muito do que escreveu Clóvis Moura sobre o Brasil e Wright Mills sobre o fazer sociológico e a imaginação criativa.
Os decoloniais, libertários e/ou monopolistas do lugar da fala, em sua grande maioria -não em sua totalidade – não reconhecem a legitimidade, a autenticidade, a validade, a existência de pesquisas e elaborações teóricas que não sejam exclusivamente autorreferenciadas na trajetória de vida de quem fala, pelo fato delas, pesquisas, não serem considerados representantes da realidade social, suas porta-vozes militantes.

Eu adoro a ideia de nossa magistral Conceição Evaristo de “escrevivências”, incentivo todas as pessoas a escrever, a relatar, a fazer testemunhos de suas vidas e trajetórias existenciais. Isso lança luz, lança lume, pistas, traz indícios, como nos ensina Carlo Ginzburg em sua “micro história” e seu indiciarismo ou surgimento do conceito de geo-história, elaborado pelo historiador francês Fernand Braudel.
Se ficarmos apenas com essa prática de exclusividade do lugar de fala, será o fim das pesquisas em ciências humanas, linguísticas e literárias.

Em geral, de forma militante, o “lugar da fala” como método tem sido uma apologia do senso comum, um “neopentecostalismo” acadêmico, artístico e literário.

É evidente que não me filio a esse pensamento revisionista, negacionista, de uma “metodologia dos desfazimentos” , tenho grande gratidão pelo histórico das ciências sociais com suas perspectivas, ensaios e erros, suas transformações, aos saberes a que tive acesso, que ressignifiquei, em minha formação continuada e permanente como pesquisador, professor e ativista por direitos civis, comunitários, fundamentais e humanos aos 70 anos de idade.
Por que faço desse movimento, desse episódio do DCP-IFCS, uma reflexão?

Fui chamado, pressionado, intimidado, seduzido, ameaçado, por ser um intelectual e professor negro, a ser a favor do professor Wallace Moraes, negro como eu. E a ser contra o professor Josué Medeiros por ser branco, portanto um racista permanente. Para mim isso é um simplismo, um primarismo político, existencial, ético e moral.

A maioria absoluta dos signatários dos vários manifestos contra o professor Josué Medeiros como racista e a favor do professor Wallace Moraes como vítima de racismo pela UFRJ e pelo professor Josué Medeiros não conhecem o episódio, “foram na fé”, aderiram a pedido de amigos e amigas de pronto, assim me relataram.

Decidi apoiar a defesa do professor Josué Medeiros como um antirracista e a defesa da UFRJ como instituição republicana.
Vejo, percebo, avalio ao explicitar a minha posição nesse furdunço, que seria mais cômodo, confortável, ficar em silêncio como muitos estão, mas este episódio do DCP-IFCS do dia 11 de agosto acabou por produzir três vítimas públicas. O professor Wallace Moraes, o professor Josué Medeiros e a UFRJ como universidade e instituição centenária.

Reconheço que Wallace Moraes foi vítima, ao ser tratado de maneira deselegante, inconveniente, agressiva mesmo, não ocorrendo a mediação, a contenção necessária de todas e todos os demais presentes na reunião, que ao invés de trabalharem para o equilíbrio da reunião, aproveitaram para acirrar os ânimos. Sendo pois todos os presentes na reunião responsáveis pelo clima e ambiência de agressividade, de intolerância interpessoal, individualismo fóbico e egocentrismo acadêmico; em que o outro, o indivíduo, os grupos diferentes, não são reconhecidos, não existe alteridade. É o Departamento de Ciência Política sendo o Departamento de Ciência Política.

A perspectiva de diferenças é fundamental para o pensamento contemporâneo, assim como para uma universidade como a UFRJ, no ano de 2021 do século XXI, nos seus cem anos de vida institucional no estado brasileiro.

Uma universidade estruturada no pensamento de ensino iluminista, advindo dos anos 1200, e que se reinventa a todo o tempo com sua performance inovadora, criativa, produção de conhecimento e intercâmbio mundial.

A Universidade deve ser um espaço de multiplicidades, onde haja permanente e continuada combinação e convívio dos diferentes, do particular, do peculiar, da especificidade, com o universal, com o global. E isso o Departamento de Ciência Política insiste em não fazer.

Ao escrever esse artigo quero refazer a minha afirmação inicial de que o Professor Wallace Morais não foi vítima na reunião do dia 11 de agosto.

Sim, ele foi vítima sim, de intolerância pessoal e acadêmica, por uma posição egocentrada, arrogante e particular, mesmo que sem dolo e premeditada.

Volto a insistir que defendo, com muita tranquilidade e convicção, que o professor Josué Medeiros não é racista, nem foi racista na reunião de 11 de agosto do DCP-IFCS e não agiu com dolo ou má fé.

Não vou me ater à história de vida pública e/ou particular do professor Josué Medeiros, vou para frases específicas que constam no abaixo-assinado de acusação.

Não endosso que dizer que uma pessoa está se vitimizando por ser negra é uma frase que possa ser classificada, entendida, tipificada como racismo ou intolerância racial. Não há materialidade para racismo ou injúria racial neste caso do uso da frase, sem dolo. Em nossa luta, como negros e negras, não podemos deixar que detalhes nos desmoralizem administrativamente ou judicialmente. Logo, se o professor Wallace Moraes denunciasse o professor Josué Medeiros à direção do Departamento de Ciência Política do IFCS por intolerância acadêmica, a denúncia teria, talvez, alguma concretude, algum significado, restando verificar se houve dolo ou não.

Pois quando se acusa de racismo, temos que ser precisos, cirúrgicos.

Cheguei como negro na UFRJ em 1972, como estudante, frequentava os bailes da pesada no Canecão, apenas com músicas negras americanas, com o Big Boy. Assim como era frequentador assíduo dos bailes da Black Rio, no MAM. Me autodefinia como preto, como negro, e usava cabelo black. Enfrentava a resistência das esquerdas e das direitas, que me chamavam de americanizado, me acusavam de ser contra o socialismo e de ser alienado. Por décadas me senti deslocado, no IFCS-UFRJ, por ser o único professor negro no antigo departamento de ciências sociais. Entrei através de um processo seletivo com uma vaga para professor de Metodologia das Ciências Sociais. Os sociólogos, antropólogos e cientistas políticos da época não sabiam matemática, muito menos estatística, o que ocupava uma grande parte do edital. Eu tinha cursado técnico em estatística e bacharelado em estatística na ENCE/IBGE e tinha trabalhado no IBGE.

Pense em um jovem negro que se apresenta como negro e contesta técnica e teoricamente as teses de democracia racial no Brasil, como professor efetivo da UFRJ.

Indicando como leituras Guerreiro Ramos, Clóvis Moura e Du Bois, leituras que fiz orientado pelo velho trabalhista, professor e pastor batista José de Souza Marques, que me ajudou muito nesse mundo dos brancos.

Montamos um “núcleo da cor”, para acolhimento e convívio dos poucos estudantes e docentes que se autodefiniam como pretos e pretas nos anos 1970/80.

Tive a sorte e a oportunidade de ser subsecretário estadual de Direitos Humanos do notável e bravo coronel da PMERJ, antropólogo e professor da UERJ, Jorge da Silva.

A resistência, o repúdio, foi quase unânime ao implementarmos o primeiro sistema de cotas raciais na UERJ e na UENF contra a maioria absoluta dos docentes, funcionários técnico-administrativos e corpo discente, contra a reitora da época, professora Nilcéa Freire, que depois se tornou aliada do sistema de cotas raciais.

O modelo usado pelo governo federal, com Lula presidente, para as universidades federais, foi nossa lei carioca e fluminense, sobretudo uma lei dos favelados cariocas e da baixada fluminense, aprovada pela Alerj, considerada constitucional pelo STF.
As portas das faculdades de medicina, engenharias, química, arquitetura, comunicação social, economia, biologia, das universidades federais foram arrombadas pelas cotas raciais.

Fui criado ouvindo diariamente a frase do professor, pastor e parlamentar trabalhista José de Souza Marques, negro, do qual tive a felicidade de ser aluno no Colégio Souza Marques, em Cascadura. E que nos incentivava a sermos negros em tempo integral, em todos os locais, em 1966. Ele usava exatamente a expressão: “Não se vitimize por ser negro, por ser pobre. Não vamos nos vitimizar por sermos negros. Nós temos que nos orgulhar de sermos negros e temos que enfrentar todas as adversidades cotidianas, separando, com muita precisão, aquilo que é um ato de discriminação racial, de cor, étnica, daquilo que é crítica ou afronta pessoal não racista, ou indicação e críticas de erros nossos.”

Outro dado é que a frase “não se vitimizar por ser negro” está presente em vários dos discursos do pastor Martin Luther King, aos quais tive acesso via professor José de Souza Marques: “Se você não pode correr, ande; se você não pode andar, sente, se não pode sentar, rasteje; se você não pode rastejar, resista. Mas, não se vitimize por ser negro. Se afirme por ser negro.”
A frase também está presente no pensador, sociólogo, filósofo nascido no século XIX e que marca sua carreira acadêmica e seu ativismo por direitos civis nos EUA, o professor William Edward Burghardt Du Bois.

Eles insistiam que, nós negros, não devemos nos vitimizar, mas nos reafirmar e lutar para nos colocar dentro de contextos gerais.
Não só na universidade, mas nas sociedades das quais fazemos parte, buscando conquistar espaços, direitos e reconhecimento.
Por isso, faz tempo, muito tempo, acredito que a expressão “se vitimizando por ser negro” não pode ser caracterizada como racista ou injúria racial.

Temos que encarar a questão do egocentrismo acadêmico em todas as universidades, das vaidades do mundo intelectual fora da universidade e das vaidades no mundo acadêmico em especial.

Quero chamar atenção às intolerâncias pessoais por vaidades e vedetismo nos ambientes universitários, independentemente de distinções raciais, étnicas, por sexo e por gênero espalhadas por todos os cantos acadêmicos.

Desejo chamar a atenção para o papel da UFRJ, com cem anos de existência, na construção da cidadania republicana, na luta contra a desigualdade social e contra o racismo.

Os atos e mecanismos estão aí, na estrutura e prática da UFRJ. É evidente que têm que ser modificados a cada movimento de transformação da sociedade, mas eles aí estão como conquista de pretos e pretas, em uma longa trajetória de gerações e gerações de toda a comunidade acadêmica da UFRJ.

Temos hoje dois professores – Wallace Moraes e Josué Medeiros – que são dois lutadores contra as desigualdades sociais, o racismo estrutural, trazendo essa nova terminologia do professor Sílvio Almeida.

Os dois professores em questão são necessários nas lutas pela ampliação da democracia, na concepção de Claude Lefort, no Brasil do tempo presente. É uma tarefa geracional, para consolidar e ampliar direitos civis fundamentais.

Assim, quero crer que o Departamento de Ciência Política deve ser ajudado a pensar a sua existência, sua disfuncionalidade permanente. Proponho, como sugestão, uma transformação radical do DCP-IFCS, sua extinção.

Que no seu lugar sejam criados novos departamentos na área de ciência política.

E, mais uma vez, manifesto, pelo meu histórico de vida, por minhas convicções humanistas, o meu compromisso de apoio integral à luta antirracista, principalmente a luta por uma sociedade que enfrente as suas desigualdades históricas e estruturadas, herdeiras de uma máquina política excludente, perversa e escravista. Enfim, termino esse artigo afirmando que professores apaixonados pela docência como Wallace Moraes e Josué Medeiros não precisam fazer as pazes, serem amigos, mas conclamo que tentem um pacto de convivência pessoal, já que vão conviver na UFRJ pelos próximos 35 anos.

Também concluo dizendo que a carta pública que o professor Josué Medeiros faz pedindo desculpas ao professor Wallace de Moraes foi de bom tamanho, abrangente e sincera, e tem meu apoio, mas deve ter um desdobramento, um fato novo, como uma fala pessoal, direta ao professor Wallace Moraes.

Uma fala em que manifeste reconhecer que foi agressivo, impertinente e deselegante com o professor Wallace na reunião do dia onze de agosto de 2021.

*Paulo Baía é sociólogo, cientista político e professor da UFRJ em 2 de outubro de 2021.

Fonte: Perfil Quarentena News/Facebook
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