Congresso e STF precisarão garantir instrumentos de coerção para vencer sentimento anti-vacina
Como esperado, a politização da Covid ampliou as resistências à vacinação. Pesquisa da CNN Brasil, publicada na última sexta (16), mostrou que 46% dos brasileiros não tomariam a “vacina da China” (Coronavac) e 38% não tomariam a “vacina da Rússia” (Sputnik V). Os números são altos e podem inviabilizar a imunidade comunitária, já que a Coronovac pode ser aprovada em breve.
A resistência à vacina chinesa, testada pelo Instituto Butantã, é resultado da campanha anti-China do governo Bolsonaro e da disputa política do presidente com o governador João Doria. Esse antagonismo se agravou com a declaração do governador de que a vacinação será compulsória e com a réplica de Bolsonaro de que não será.
O grau de imposição da vacinação é um problema delicado de política pública.
Por um lado, uma democracia liberal deve permitir a expressão do sentimento antivacina, respeitando as liberdades de pensamento, de expressão e de objeção de consciência.
Por outro, a liberdade individual não pode se sobrepor ao interesse coletivo de atingir a imunidade comunitária. Como as vacinas não têm 100% de eficácia, quando alguém não se vacina, não põe em risco apenas a própria vida, mas também a de parte dos seus concidadãos vacinados que ainda podem ser contaminados.
A experiência internacional apresenta um leque de instrumentos de imposição, que vão das multas a quem não se vacinar à exigência de comprovantes de vacinação para matricular as crianças na escola ou para acessar programas sociais.
Como o governo federal promove a hesitação em relação à vacinação, e como há limitações jurídicas às ações dos estados, cabe a Alcolumbre e a Rodrigo Maia, de um lado, e ao STF, de outro, garantirem que, uma vez aprovada uma vacina, possamos atingir a imunidade.
Alguns estados e cidades já solicitam cadernetas de vacinação para a matrícula nas escolas públicas.
Essa proposta pode ser nacionalizada por meio do PL 5.542/19, em tramitação no Senado. Ela pode ser expandida ainda para incluir, no caso da Covid, os estudantes do ensino superior.
Outra medida a ser tomada é exigir a vacinação contra a Covid de todos os membros da família para acessar o Bolsa Família. Além disso, pode-se exigir que trabalhadores que atuam diretamente com o público se vacinem. A cobrança da vacinação a estudantes, famílias beneficiárias do Bolsa Família e trabalhadores que lidam com o público deve ser suficiente para atingir a imunidade comunitária.
Embora a saída para vencer o sentimento antivacina seja o convencimento do público, no curto prazo vamos precisar de instrumentos de coerção.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.