Candidatura de Jair Bolsonaro produz declarações preocupantes
As últimas pesquisas têm indicado que Jair Bolsonaro deve mesmo estar no segundo turno. A consolidação de sua liderança acontece no momento em que a candidatura produz declarações preocupantes, que colocam outra vez em xeque os pilares da democracia.
Em vídeo recentemente divulgado, Bolsonaro reafirmou sua posição de que não reconhecerá a eventual vitória de um adversário. Um pouco antes, o general Mourão, vice em sua chapa, declarou que considera legítimas tanto a possibilidade de autogolpe quanto a de uma revisão da Constituição realizada por constituintes não eleitos.
A ameaça é tão grave que é preciso um compromisso dos principais atores em defesa das instituições democráticas. Para começar, precisam reconhecer a legitimidade do adversário.
A direita, de um lado, tem tratado Lula e Bolsonaro como expressões diferentes do mesmo fenômeno populista que não respeitaria as regras da democracia liberal —isso, a despeito dos governos petistas terem observado rigorosamente esses limites (má gestão econômica e corrupção são problemas de outra natureza).
Já a esquerda tem tratado Alckmin e Marina como se fossem golpistas e, portanto, diferindo apenas em grau da orientação antidemocrática de Bolsonaro —embora Alckmin, Marina e seus partidos jamais tenham atentado contra a legitimidade do sistema de direitos humanos ou colocado em xeque a representação democrática.
O PSDB começou um processo de autorrevisão que se expressou na entrevista de Tasso Jereissati ao O Estado de S. Paulo, na semana passada, na qual o presidente do PSDB avalia como equivocada a estratégia de contestar o resultado das eleições de 2014. A revisão não se estende ao apoio ao impeachment, mas parece um primeiro passo.
O PT, por sua vez, ainda não fez a autocrítica sobre os desvios na Petrobras, limitando-se a dizer que os outros partidos também se envolveram em desvios. Essa postura definitivamente não é autocrítica o suficiente e é o principal motivo que faz com que grandes contingentes de brasileiros odeiem o partido e prefiram votar em Bolsonaro.
Analistas da esquerda têm insistido na tese de que a democracia tem regras não escritas que precisam ser tão respeitadas quanto as escritas e que essa autolimitação foi rompida quando o instituto do impeachment foi utilizado de maneira abusiva para reverter o resultado eleitoral de 2014.
Esse princípio, porém, deveria valer também para a esquerda. Os candidatos deste campo têm que deixar claro, por exemplo, que pretendem respeitar as regras não escritas assumindo, por exemplo, o compromisso de não fazer uso abusivo do instituto do indulto para tirar Lula da cadeia.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.