Pablo Ortellado: PL das Fake News está cercado de impasses

Projeto de Lei 2.630/2020, apelidado de PL das Fake News, vive tantos impasses, que é difícil saber onde vai parar
O Senado de cima | Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
O Senado de cima | Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Pablo Ortellado / O Globo

O Projeto de Lei 2.630/2020, apelidado de PL das Fake News, vive tantos impasses, que é difícil saber onde vai parar. Ele pode tanto ser aprovado na semana depois do carnaval como ser engavetado. Pode vir a ser um robusto marco regulatório ou também terminar como um conjunto mal-ajambrado de regras ruins. Há pelo menos quatro grandes impasses.

O primeiro é a moderação de conteúdo em mídias sociais. Facebook, Twitter e outras precisam moderar o que é publicado pelos usuários — apagar, reduzir o alcance ou rotular conteúdo que viola os termos de uso dos serviços. Sem moderação, as plataformas seriam inundadas por spam, pornografia e discurso de ódio.

Só que a moderação é muito custosa porque o conteúdo publicado é abundante, e as regras complexas. Para reduzir o custo, as empresas automatizaram o procedimento com inteligência artificial. A moderação automática, porém, é pouco precisa e, por isso, muitas publicações lícitas são apagadas. O problema é particularmente agudo em conteúdos políticos. Ativistas de direita e esquerda alegam perseguição e censura.

Para enfrentar o problema, o PL determinou regras de transparência, notificação e recurso, de maneira que os usuários cujos conteúdos sejam apagados ou restritos sejam avisados de que a publicação foi moderada, sejam informados sobre que regra foi infringida, tenham a oportunidade de recorrer da decisão, e eventuais erros sejam reparados. As empresas alegam que esses novos procedimentos, por ser onerosos, desestimulariam a moderação, resultando em mais conteúdo impróprio. Alegam também que as regras de reparação são mal desenhadas.

O segundo impasse envolve o tratamento da publicação dos políticos nas mídias sociais. É um tema sensível para o Congresso, que ainda não assimilou a prisão do deputado Daniel Silveira depois de atacar ministros do Supremo. A punição foi vista por muitos congressistas como violação do princípio da imunidade parlamentar.

O relator do PL, deputado Orlando Silva, incluiu no projeto um artigo sobre imunidade parlamentar. Segundo ele, a inclusão não faz mais do que relembrar o princípio já vigente. Mas, se fosse apenas redundante, não precisaria ter sido incluído. A presença desse artigo num PL que regula mídias sociais seguramente dará margem a interpretações de que a publicação de políticos não pode ser moderada. Isso é preocupante, porque seguidos estudos têm mostrado que os maiores difusores de desinformação são justamente os políticos com mandato.

O terceiro impasse é a regulação dos serviços de mensagens privadas. A versão do PL aprovada no Senado incluía a rastreabilidade de conteúdos virais, o que permitiria identificar a cadeia de encaminhamento das mensagens em aplicativos como o WhatsApp. Hoje, mensagens ilícitas viralizam, e não há nenhum instrumento que permita investigar sua origem.

A rastreabilidade de mensagens virais enfrenta forte oposição das empresas que não querem ser reguladas, de organizações de direitos digitais contrárias à guarda de metadados e de políticos que fazem uso malicioso dessas mensagens. Embora o deputado Orlando Silva esteja tentando construir um consenso sobre a retirada da rastreabilidade, ela pode muito bem voltar no Senado (e, em seguida, ser vetada pelo presidente).

Por fim, o quarto impasse é a exigência de que empresas com grande participação no mercado constituam representantes no país, sob pena de sanções. O artigo não foi pensado para nenhuma empresa em particular, mas ganhou grande repercussão com a recusa do Telegram — que não tem representante no Brasil —a cumprir determinações judiciais.

O tema é politicamente sensível porque o Telegram tem sido usado pelo presidente Bolsonaro e por seus apoiadores. Para a Justiça Eleitoral, há o temor de que o jogo sujo político que vimos no WhatsApp em 2018 migre em 2022 para o Telegram. Da parte dos bolsonaristas, há o temor de que a medida seja usada pelo TSE e pelo STF para censurar o discurso da direita.

O relator mais uma vez parece estar construindo um consenso, criando sanções escalonadas e proteções contra o abuso judicial. Mesmo assim, a medida terá a oposição de bolsonaristas nas duas Casas e será vetada pelo presidente. Com o tempo de aprovação, o tempo de veto, o tempo para derrubar o veto e a vacatio legis (prazo para entrar em vigor), um eventual bloqueio do Telegram aconteceria perto demais da campanha eleitoral, causando enorme tumulto político.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/pl-das-fake-news-esta-cercado-de-impasses.html

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