Pablo Ortellado: O ‘vírus chinês’

Teoria da conspiração diz que o coronavírus é arma biológica da China.
Foto: Isac Nóbrega/PR
Foto: Isac Nóbrega/PR

Teoria da conspiração diz que o coronavírus é arma biológica da China

A postura do governo federal de se contrapor à política de isolamento social preconizada pela ciência e por autoridades sanitárias gera justificada indignação, mas, às vezes, a indignação nos indispõe a entender a motivação dos agentes.

O que o governo Bolsonaro quer, afinal?

Acredito que devemos olhar para o que os círculos bolsonaristas e olavistas estão discutindo para encontrar a resposta. E a resposta que se encontra ali é a do “vírus chinês”.

O vírus chinês é uma teoria da conspiração segundo a qual o coronavírus seria relativamente inócuo, tão grave quanto uma gripe comum. Apesar disso, o partido comunista chinês teria montado um circo e falsificado dados de letalidade, com a intenção de gerar pânico, parar a economia global e dar assim uma vantagem competitiva à economia chinesa, que, à despeito do teatro, seguiria em plena atividade.

Há algumas variantes dessa teoria conspiratória: o vírus teria sido desenvolvido em laboratório como arma biológica; agentes chineses estariam se infiltrando em aglomerações urbanas para espalhar o vírus; empresas chinesas estariam suspendendo o pagamento por produtos já adquiridos para ferir as economias locais.

Frente a esse cenário, diz o argumento, o melhor que o Brasil poderia fazer é não aderir ao pânico, adotar medidas preventivas moderadas e explorar a vantagem competitiva que os chineses vislumbraram para si.

Essa estratégia, no entanto, estaria enfrentando a oposição de governadores ignorantes e corruptos que aderiram à histeria global e vão afundar a economia e enterrar a oportunidade única de o Brasil dar um salto de desenvolvimento enquanto o resto do mundo está com a economia paralisada.

Nada disso faz o menor sentido: pressupõe que apenas Bolsonaro, e nenhuma potência global, conseguiu desvelar o complô chinês; pressupõe que os modelos epidemiológicos com dados de contaminação na Europa e nos Estados Unidos não têm validade. É tão absurdo que em circunstâncias normais não mereceria nossa atenção.

Mesmo assim, é isso o que está sendo discutido nos canais de YouTube e nos áudios de WhatsApp —e acredito que temos motivos para acreditar que é isso o que move o presidente e o seu entorno.

Se esse é mesmo o raciocínio que move o presidente, devemos esperar não apenas pressão pela adoção do isolamento vertical, contra toda a evidência científica, como um atraso ainda maior na adoção de medidas econômicas efetivas, com o intuito de pressionar empresas, comerciantes e trabalhadores a regressarem ao trabalho.

Estamos fodidos.

*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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