Enquanto bolsonarismo prepara ruptura, instituições respondem com notas de repúdio
Não importa para qual pesquisa olhemos, Datafolha, XP ou Atlas Político, o apoio popular ao presidente Bolsonaro está diminuindo. Desde que a crise do coronavírus despontou, em março, o apoio ao presidente decai, ainda que lentamente, enquanto a oposição a ele aumenta. No mesmo período, porém, o bolsonarismo vai ficando mais extremado, com desafios abertos à ordem constitucional —ou seja, a um só tempo está ficando mais isolado e mais radical.
No infame vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, chama a atenção o motivo que Bolsonaro dá para a usual conclamação à população se armar: não é mais para que os homens de bem se defendam dos bandidos, mas para que se defendam dos candidatos a ditadores, prefeitos e governadores que estariam trancando os cidadãos em suas residências. No dia seguinte à reunião, Sergio Moro assinou portaria efetivamente aumentando a quantidade de munição que quem tem porte ou posse de armas pode comprar.
Os protestos anti-instituições pedindo o fechamento do Congresso e do STF agora se tornaram regulares aos domingos, com a participação cativa do presidente e de seus ministros. Grupos paramilitares ou que defendem a ação das Forças Armadas começam a aparecer em todas as partes: são os paraquedistas com Bolsonaro que vieram à manifestação do dia 17 de maio, o acampamento dos 300 de Sara Winter, os tomadores de cloroquina do acampamento “Fora Doria” na Alesp ou os formados na turma de 1971 da Academia Militar das Agulhas Negras que anunciam uma guerra civil.
Nos canais bolsonaristas no YouTube e nos grupos de WhatsApp, tudo o que se vê são discursos do tipo “o povo no poder por intermédio das Forças Armadas”. Segundo esse discurso, uma ordem genuinamente democrática consagraria uma precedência da demanda direta do povo sobre as instituições de representação. Esse povo, para que não reste dúvida, são os bolsonaristas que fazem acampamentos, carreatas e descumprem o distanciamento social —embora minoritários, se veem como uma vanguarda ou como uma essência da vontade popular.
Nos desdobramentos de junho de 2013, a Lei de Segurança Nacional foi mobilizada para perseguir e prender “perigosos” adolescentes que quebravam vidros de bancos. Agora que grupos políticos e paramilitares se organizam em plena luz do dia para derrubar as instituições, com apoio do Poder Executivo, nossos democratas respondem com inócuas notas de repúdio. O braço do Estado é forte e bruto contra os fracos, mas débil e incapaz contra as verdadeiras ameaças à ordem democrática.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.