Será que ação de desinvestimento de empresas pode mesmo conter ou reduzir o desmatamento?
Uma campanha iniciada por ativistas brasileiros, mas orientada para o público internacional, pede o desfinanciamento de quem se beneficia das políticas ambientais de Bolsonaro.
A principal peça de propaganda da campanha é um vídeo em inglês mostrando cidades e produtos europeus com focos de incêndio, evidenciando que as queimadas amazônicas estão diretamente implicadas no consumo.
A expressão “defund”, que aparece ao final do vídeo, remete à demanda de ativistas do Black Lives Matter, nos Estados Unidos, que pedem o desfinanciamento da polícia depois dos sucessivos casos de abuso contra cidadãos negros.
A campanha brasileira, porém, não pede o boicote de produtos e serviços brasileiros —estratégia utilizada com sucesso para derrubar o apartheid na África do Sul e com menos êxito na campanha BDS, que combate a ocupação da Palestina por Israel.
A campanha também não pede o boicote de produtos específicos, como o que esteve na origem da “moratória da soja” em 2006 e que levou os maiores traders a criarem a rastreabilidade da cadeia produtiva do setor para se desimplicarem no desmatamento.
Se a expressão “defund” pede desinvestimento, a orientação na figura de Bolsonaro aponta para uma ampla política ambiental complacente com o crime que beneficia parte do agronegócio, da pecuária, do extrativismo de madeira e da mineração na região amazônica.
Mas será que uma ação de desinvestimento de empresas pode mesmo conter ou reduzir o desmatamento?
Para que o consumo de produtos se desimplique no desmatamento é preciso que se estabeleça a rastreabilidade das cadeias produtivas, para que as empresas consigam diferenciar os fornecedores que estão envolvidos no desmatamento, daqueles que não estão.
Uma iniciativa recente dos três maiores bancos do país, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander, está se comprometendo a criar a rastreabilidade da cadeia produtiva e impedir o financiamento de agentes econômicos que promovem o desmatamento, começando pela agropecuária.
É preciso aguardar para ver se o compromisso ambiental do setor financeiro é duradouro e busca mais do que apenas projetar uma boa imagem.
Mas o caminho para asfixiar financeiramente o desmatamento parece ser mesmo o de estabelecer a rastreabilidade das cadeias produtivas e pressionar as empresas a comprarem apenas de fornecedores certificados.
O Estado brasileiro poderia jogar um papel decisivo no financiamento e na implementação da rastreabilidade, mas ele parece decididamente comprometido com o desmatamento.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.