Proteger a integridade das eleições será o maior desafio dos que prezam pela democracia
Eleições livres e justas e a alternância no poder são elementos fundamentais à vida democrática. A maioria dos governantes populistas, no entanto, resiste a deixar o poder após uma derrota eleitoral ou mesmo ao término de seus mandatos, como nos alerta Yascha Mounk, autor de “O Povo contra a Democracia”.
Na medida em que o líder populista se define como único e autêntico representante da vontade popular, um eventual resultado desfavorável nas urnas sempre poderá ser atribuindo a falhas no processo eleitoral. Trata-se, portanto, de uma estratégia preventiva de populistas autoritários para buscar se manter indefinidamente no poder.Ao longo de quatro anos na Casa Branca, Trump fez o que pôde para fragilizar e capturar as instituições da democracia constitucional. Empregou as mídias sociais para promover a mentira e a polarização política. Combateu a imprensa livre, fomentou o nacionalismo, as milícias armadas e as mais diversasformas de discriminação contra grupos vulneráveis.
Como outros populistas, desprezou as ameaças da pandemia, promoveu aglomerações, combateu a ciência e o uso da máscara, contribuindo, assim, para a morte de quase 400 mil compatriotas. Tudo isso sob olhar cúmplice de grande parte dos republicanos, de empresas de tecnologia e de outros setores potentes da economia que agora, constrangidos, dele buscam se afastar.
A credibilidade do processo eleitoral nunca saiu da mira da máquina de mentiras de Trump. Na iminência da proclamação da vitória de Joe Biden, não foi difícil incitar seus seguidores mais radicais a empunhar as insígnias da extrema direita norte-americana e marchar sobre o Capitólio e a Constituição.
Ao longo das últimas duas décadas, o Brasil construiu um sistema de votação eletrônico que tem se demonstrado não apenas íntegro, mas extremamente eficiente. As deficiências de nosso sistema eleitoral, como desinformação, “candidaturas laranja”, financiamento ilegal e mesmo a violência, não dizem respeito, em absoluto, ao processo de votação eletrônico.
Jamais se comprovou, desde a implantação da urna eletrônica, qualquer falha relevante que impactasse o resultado de uma eleição. Exigir o voto impresso é uma tentativa de retroagir ao voto de cabresto, em que o eleitor terá que comprovar em quem votou ao miliciano de plantão, além de favorecer uma interminável judicialização do resultado das eleições.
Por não operarem em rede, nossas urnas eletrônicas têm evitado a ação de hackers. Cada urna é auditada antes da votação, para que se certifique que não recebeu nenhum voto antecipadamente. Ao término da votação a urna emite um boletim, impresso, com o número de votos de cada candidato. Partidos, fiscais, OAB e o Ministério Público têm amplo acesso a todo um processo supervisionado pela Justiça Eleitoral. O TSE também convida observadores internacionais, como a Missão de Observação Eleitoral da OEA, para acompanhar nossas eleições.
A invasão do Capitólio nos ensina que a persistente tentativa de deslegitimar o sistema de escolha eleitoral por populistas não pode, em hipótese alguma, ser negligenciada. Seu único objetivo é fomentar a subversão democrática.
O maior desafio daqueles que prezam pela democracia no Brasil, não importa em que posição do arco ideológico se encontrem, é construir um amplo pacto de proteção à integridade das eleições de 2022, para que não corramos o risco de submergir num vertiginoso processo de vandalização de nossa democracia constitucional.
*Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.