Imagine que uma pessoa vai ao supermercado levando determinada quantia em dinheiro e uma lista de compras composta apenas por produtos considerados essenciais. Porém, na hora de passar no caixa, a desagradável surpresa: o dinheiro não dá para pagar a conta. O que fazer? Nas diversas palestras e cursos que ministrei, quando esse problema é apresentado aos participantes, a maioria, invariavelmente, responde que a solução é comprar apenas o que é importante. Porém, ao serem lembrados de que na descrição do problema todos os produtos da lista eram definidos como essenciais, a resposta é um silêncio ensurdecedor.
Tal impasse permite construir a seguinte compreensão: prioridade é escolher o que será deixado de lado a cada momento, ainda que importante ou essencial. Em outras palavras, chega-se ao que é prioritário por exclusão. Sem dúvida são escolhas difíceis. Essa é a razão de vermos dirigentes em muitas organizações orientarem as equipes afirmando que “tudo é prioritário”. Na verdade, significa que nada é prioritário.
Quando isso acontece na iniciativa privada, trata-se de problema restrito à gestão das empresas. Porém, na administração pública, tal confusão costuma nos levar a cenários de descontrole orçamentário, trazendo como consequência direta a queda na qualidade dos serviços públicos, muitas vezes podendo chegar à redução da oferta ou mesmo à sua interrupção. E quem paga o pato é a população.
Como se sabe, o país atravessa um dos seus piores momentos em termos de finanças públicas. Se considerarmos apenas o governo federal, em 2018 completaram-se cinco anos consecutivos de deficit, e as previsões para 2019 e 2020 são igualmente negativas. O quadro é ainda mais dramático quando olhamos para estados e municípios. É nesse momento que gestores públicos precisam ter maturidade e, principalmente, coragem para saber identificar o que é prioritário, definindo com clareza o que precisará ser deixado de lado. Afinal, os recursos são finitos.
Tomemos o exemplo da educação pública. Especialistas de diversas correntes políticas e ideológicas afirmam que não há como o Brasil atingir um patamar mais elevado de desenvolvimento sem investimento em educação, especialmente nos segmentos que compõem a educação básica. Aparentemente, temos aqui um consenso, mas, infelizmente, não passa de falsa impressão.
Nos últimos 16 anos, os sucessivos governos, com apoio do Congresso Nacional, optaram por destinar a maior parte dos recursos orçamentários da educação para o ensino superior. No ano em curso, o orçamento da União prevê cerca de R$ 122 bilhões para o MEC, com a seguinte distribuição entre as áreas: R$ 33,8 bilhões para o ensino superior, R$ 23,5 bilhões para a educação básica (já incluídas as transferências para estados e municípios) e R$ 12,2 bilhões para a educação profissional.
Como se vê, a educação básica recebe apenas 19% do total, enquanto 28% são destinados ao ensino superior. Na comparação direta entre os dois segmentos, o orçamento do ensino superior é 44% maior que o da educação básica. Diante desse cenário, a quase totalidade de especialistas apela para o mantra “em educação tudo é prioritário”. Ora, isso é verdadeiro absurdo. Não se trata de desconhecer a importância do ensino superior, mas compreender que, quando não se têm recursos suficientes para fazer tudo, torna-se imprescindível escolher o que deixaremos de fazer e definir, verdadeiramente, o que é prioritário nessa área vital para o país. E aí, lamentavelmente, fica evidente que a educação básica só é prioridade da boca pra fora.
A incapacidade de gestores públicos definirem prioridades não se limita à área de educação, sendo uma característica presente na grande maioria das administrações municipais, estaduais e federal. A boa notícia é que existe solução, mas sua implantação é bastante desafiadora, porque passa por uma indispensável e profunda mudança cultural que leve gestores públicos a substituírem a predominante visão imediatista por uma gestão apoiada em planejamento e transparência, além de contarem com equipes capacitadas para conseguirem realizar muito com poucos recursos, o mais com menos. Com base na minha experiência e mantendo o necessário otimismo, tenho a expectativa de ser possível evoluirmos como sociedade para aprendermos a separar o importante do prioritário e, dessa forma, contribuir diretamente para que gestões públicas possam reproduzir tal comportamento.