Julia Lindner e Patrik Camporez / O Globo
BRASÍLIA — A Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso definiu nesta quarta-feira que não será obrigatório divulgar todos os nomes dos parlamentares beneficiados com emendas de relator, que deram origem ao escândalo do orçamento secreto. Caberá aos deputados e senadores decidirem se informam ou não se são os autores da destinação da verba para os seus estados.
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Pelo sistema adotado, será possível que as indicações de recursos fiquem registradas sob responsabilidade do relator-geral do Orçamento do respectivo ano ou de outras entidades, e não necessariamente em nome dos parlamentares.
Além dos congressistas, o novo sistema também permitirá o registro de pleitos feitos por governadores, instituições privadas e cidadãos comuns. No fim do ano passado, o Congresso aprovou projeto de resolução que instituiu as novas regras.
Em resposta ao Supremo Tribunal Federal (STF), que exigiu mais transparência no processo, deputados e senadores definiram nesta quarta-feira que será adotado um sistema eletrônico para o recebimento das indicações de despesas feitas pelo relator-geral do Orçamento em 2022, classificadas como RP9. Até então, não havia controle dos autores dos pedidos.
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— Aquelas emendas que serão atendidas de entidade, ou seja, de ente, município A, B ou C… Se a proposta for atendida, vai constar ‘atendida pelo relator’. E lá vai gerar um número também do parlamentar que indicou, mas no desejo da pessoa que queira indicar. No desejo da pessoa que queira indicar. Esse campo não tem incidência obrigatória — explicou o relator-geral do Orçamento deste ano, Hugo Leal (PSD-RJ).
Leal explicou que as solicitações serão atendidas individualmente e cada uma delas irá gerar o respectivo número no sistema, referente ao autor do pedido. Haverá, ainda, um status para os pleitos, dividido entre rejeitadas, acolhidas e indicadas (quando vai para indicação de um ministério).
O novo sistema está acessível a deputados e senadores na próxima semana. Também será possível acessá-lo, a partir de abril, por qualquer pessoa cadastrada no e-Gov, aplicativo do governo federal.
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A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) criticou o fato de que será facultado aos parlamentares a inclusão dos apoiamentos às indicações ao relator-geral.
— Isso tem de ser obrigatório, não tem que ser facultativo, põe quem quer. Isso, para mim, mostra que o orçamento está capturado por forças estranhas. Mostra que não há transparência. Estamos falando de dinheiro público e tem que ter transparência de cada centavo. Continua parecendo um eterno balcão de negócios. Acho que tem que ser obrigatório, sim. Estamos falando de emenda parlamentar. É um campo obrigatório — declarou.
Em reposta, Leal afirmou que há um “critério parlamentar” para as indicações, assim como o governo possui seus próprios critérios para a destinação de recursos pelos ministérios.
— Temos um critério aqui, é um critério do Parlamento. Como o governo define os critérios dele? O critério é qual, é político? Aqui também tem um critério, o critério é político, e obviamente ele vai guardar as proporcionalidades, as diferenças regionais, sociais, porque aqui têm todos os segmentos da sociedade.
Em seguida, ele acrescentou:
— Talvez, é essa transparência que faltou em 2021, 2020, que seja, estamos aqui fazendo a avaliação disso, seja essa oportunidade que teremos agora. E os dados mostrarão que essas emendas chegarão onde devem chegar e serão executadas onde devem ser executadas. Por isso acho que é um aprendizado.
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O senador Marcelo Castro (MDB-PI), vice-líder do MDB no Senado, demostrou preocupação com o fato de as emendas de relator-geral dos orçamentos de 2020 e 2021 não terem sido divulgadas. Por meio de um Ato Conjunto, as mesas da Câmara e do Senado se comprometeram a dar publicidade às chamadas emendas RP-9 dos dois últimos anos.
Em novembro de 2021, uma decisão liminar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu as emendas de relator-geral e solicitou que o Congresso e o Governo Federal tornassem transparente essa modalidade de despesa.
— Até agora, os dados solicitados pelo STF não foram apresentados nem pelo poder legislativo, nem pelo poder executivo. Eu temo que, no julgamento do mérito da decisão liminar, a ministra Rosa Weber questione o não cumprimento do que foi acordado, colocando novamente em risco a execução das emendas — disse Castro.
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ESPECIALISTAS CRITICAM DECISÃO
A gerente de projetos da Transparência Brasil e coordenadora do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, Marina Atoji, criticou da Comissão.
– Basicamente, é uma solução para ‘inglês ver’. O STF determinou a total transparência e isso que estão fazendo definitivamente não é um cumprimento da decisão. Vão manter a falta de transparência. É um absurdo – diz.
Ainda segundo Marina, a decisão pela continuidade do sigilo impede que o cidadão possa cobrar do parlamentar a boa aplicação dos recursos públicos por ele destinado aos municípios.
– O cidadão e a sociedade civil não conseguem fazer o caminho completo da verba. E tem uma dificuldade de saber quando e como o dinheiro chega na ponta e como ele vai ser usado – completa.
Mestre em Gestão Pública pela Universidade de York, Bruno Brandão, integrante da Transparência Internacional no Brasil, faz coro: –No momento em que o país mais precisaria de transparência para garantir o bom uso dos recursos públicos, para compensar toda tragédia humanitária da Codiv-19, as perdas humanas e econômicas, o Congresso Nacional anda no sentido contrário. Por estabelecer uma opacidade sem precedentes na distribuição do orçamento público federal.