Com o mesmo título do famoso filme inacabado de Sergei Eisenstein, de 1932, o cineasta mexicano Luis Estrada lançou, no mês de março, seu próprio ¡Qué Viva México!, longa-metragem de mais de três horas de duração e que é uma sátira bem ácida da política mexicana atual.
Sátira, aliás, que não é novidade na filmografia do diretor, já que, a cada sexênio, ele lança um filme que detona o governo da atualidade, fazendo ainda uma análise (quase sempre cruel) da “mexicanidade”, ou seja, das idiossincrasias e incoerências do povo mexicano. Isso acontece desde A Lei de Herodes (1999), quando analisava e anarquizava os governos do Partido Revolucionário Institucional (PRI ). Em seguida, com seu Um Mundo Maravilhoso (2006), satirizando o governo de Vicente Fox. Em 2010, com O Inferno, cuja vítima principal era o presidente Felipe Calderón, e, mais recentemente, em 2014, com A Ditadura Perfeita, em que atirava pedras na administração do presidente Enrique Peña Neto. Enfim, há toda uma tradição guerrilheira que faz com que a espera pelo lançamento de seus filmes seja algo prazeroso para alguns e bem incômodo para outros.
¡Que Viva México! não foge à tradição e ataca de frente o governo do atual presidente Andrés Manuel López Obrador, vulgo AMLO, do partido MORENA (Movimento Regeneração Nacional). Um político que se diz de esquerda, à favor do povo e contra a corrupção de qualquer natureza, mas que se rende (como todos) às armadilhas do poder, tendo uma ótima relação com os presidentes dos Estados Unidos, incluindo com o ex Donald Trump. Não podemos esquecer que os vecinos norteamericanos são os maiores parceiros comerciais do México, com as remessas de dólares vindas de lá para cá (dos imigrantes) representando 4% do PIB nacional.
A trama do filme gira em torno de Pancho Reyes (Alfonso Herrera), um homem de classe média (em ascensão), que trabalha dia e noite para atender os caprichos da esposa e dos filhos. De origem humilde, ele prefere esquecer e deixar bem escondido esse passado, até o dia em que recebe, porém, o telefonema de seu pai Rosendo (Damián Alcázar, que atua na pentalogia completa de Estrada), informando que o avô falecera e que era aguardado em seu pueblo para o enterro e para a leitura do testamento.
O que vemos, então, é o retorno à pobreza natal de Pancho, uma viagem ao México profundo, cheio de poeira, pobreza, mas também de alegria, camaradagem, comilanças, bebedeiras, mariachis e, claro, corrupção e espertezas. Tudo é paroxismo, é crítica, é desacato. Um verdadeiro show do politicamente incorreto, que tem irritado muitos espectadores mexicanos, sobretudo, os “Whitexicans” (elite branca do país), que não gostam nada de se ver assim representados na telona.
Mas, verdade seja dita, Estrada não poupa ninguém e aponta sua metralhadora para todos os atores do México contemporâneo, desviando-se assim do modelo maniqueísta que representa pobres como bons e ricos como maus, ou ainda políticos como os únicos seres corruptos e corruptíveis. Em seu filme, ele desenha um microcosmos capaz de representar as várias camadas da sociedade desse país, com seus defeitos e qualidades, mas, principalmente, com suas incoerências. Não à toa, ¡Qué Viva México! vem desagradando priistas, morenistas, panistas, etc, gente de esquerda, de direita e até de centro. Quase uma unanimidade!
Pelos olhos de uma estrangeira, residente no México há pouco menos de três anos, o que vejo é um retrato ácido da sociedade local, obviamente, levado ao extremo. Importante ter em mente que estamos aqui, porém, diante de uma sátira e que, por isso mesmo, os personagens, bem como as situações, são sim exagerados, artificiais e caricatos. Não se pode levar tudo a sério, nem querer interpretar cada diálogo ao pé da letra. O próprio cenário, a trilha e os filtros amarelados usados para representar o México quente e perigoso – como os gringos costumam fazer –, corroboram os excessos da história ali contada. Ao mesmo tempo que vão de encontro à campanha #UnfilterMexico, que a marca de cerveja Corona lançou há pouco, junto com o diretor de fotografia mexicano Emmanuel “Chivo” Lubezki, com o objetivo de acabar justamente com esse estereotipo no cinema.
Por outro lado, entendo a indignação de alguns mexicanos, pois olhar-se no espelho nem sempre é fácil, mesmo que, tantas vezes, necessário. Nosso Brasil bem que precisava de um louco Estrada para espelhar na telona, a cada quadriênio, uma sátira de nossos presidentes e da evolução (ou involução) de nossa sociedade.
Saiba mais sobre a autora
*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Suíca.