A História mostra que o sonambulismo adesista das elites aos governos acaba em tragédia…
Luiz Felipe D’Avila / O Estado de S. Paulo
Parte da elite empresarial brasileira navega entre o cinismo, o oportunismo e o egoísmo. O cinismo nas suas conversas de salão permeia os sussurros de que a eleição de 2022 já está definida: será o embate entre Lula e Bolsonaro. Um grupo já começa a fazer hedge com Lula, quer ajudá-lo a ressuscitar o presidente da era Palocci e Henrique Meirelles, que governava o País em sintonia com o mercado e com a agenda social. O outro grupo faz hedge com Bolsonaro. Entende que a volta do PT é inaceitável e não resta alternativa senão manter-se próximo do presidente e tentar domar o seu destempero com conselhos de mercado para fazer a economia voltar a crescer.
Essa visão irresponsável de parcela da elite colabora para perpetuar o atraso do Brasil. O oportunismo do corporativismo empresarial retarda a abertura comercial, compromete a produtividade e a competitividade do País nos mercados globais, sabota a aprovação da agenda modernizadora do Estado e destrói a igualdade de oportunidades. Sempre disposta a cortejar o poder para garantir o êxito nos negócios, ela não se envergonha de abandonar o discurso liberal proferido na imprensa por conversas reservadas ao pé de ouvido dos políticos para manter benefícios tributários, subsídios setoriais e reserva de mercado. Assim, essa parcela oportunista da elite colabora para manter a Nação num estado permanente de pobreza, desigualdade e volatilidade política.
A simbiose entre o populismo e o corporativismo é nociva para o Brasil. Não se cria igualdade de oportunidades numa nação em que o Estado é refém de feudos de privilégios. Não se prospera numa nação carcomida pela corrupção e pela atroz desigualdade social. Não se cultiva a fleuma da esperança num país onde o poder público nutre eterna desconfiança da competição de mercado e arquiteta inúmeras leis e regras para inibir o empreendedorismo, a inovação e a produção de conhecimento.
A História mostra que esse sonambulismo adesista de parte da elite empresarial aos governos acaba em tragédia, principalmente quando a democracia está em risco. Aqueles que acham que há um certo exagero nessa afirmação deveriam rever o filme de Vittorio de Sica O Jardim dos Finzi-Contini. Trata-se do drama de uma família aristocrática judia na Itália fascista. Enclausurada nos muros de sua linda mansão, os Finzi-Contini continuavam a desfrutar a companhia de amigos, festas e torneios de tênis. Entendiam que Mussolini era a melhor alternativa ao caos e ao comunismo, apesar das evidências de que o governo fascista minava a democracia e edificava um Estado autoritário.
Ao ignorarem as evidências, os Finzi-Contini perderam a noção do perigo para o país e a família. Apesar de a perseguição aos judeus aumentar, os Finzi- Contini entendiam que o governo de Mussolini seria breve e a situação política voltaria rapidamente ao velho normal. Mas, ao dobrar a aposta na esperança de dias melhores e ignorar os fatos, os Finzi Contini tiveram um fim trágico nos campos de concentração da Alemanha nazista. O totalitarismo acabou com a família, com os negócios e com o país.
Como disse a filósofa Hannah Arendt, “aqueles que escolhem o mal menor esquecem rapidamente de que escolheram o mal”. Assim, esquecem rapidamente que Lula é a gênese do mensalão, do maior esquema de corrupção da História do País, da polarização política do “nós e eles”, da defesa das tiranias cubana e venezuelana e o principal cabo eleitoral de Dilma Rousseff, a presidente petista responsável pela estagnação econômica, por 13 milhões de desempregados e pelo descrédito da política, que semeou o caminho da vitória de Bolsonaro em 2018. Já os que apoiam Bolsonaro desconsideram o fato de que o presidente traiu os seus eleitores. A agenda liberal da economia não saiu do papel, o combate à corrupção não progrediu (como mostra a CPI da Covid) e a defesa dos valores cristãos revelou-se uma farsa quando o presidente é incapaz de mostrar a principal virtude cristã, a compaixão. Seu comportamento revelou um líder irresponsável e insensível ao sofrimento de milhares de pessoas que perderam familiares e amigos durante a pandemia.
Para evitar o destino trágico dos Finzi-Contini, resta pouco tempo para a elite oportunista mudar de atitude e unir esforços com as lideranças empresariais, sociais, políticas e intelectuais que se estão mobilizando para criar uma candidatura presidencial de centro e salvar a democracia das garras do populismo. Esse grupo tem plena consciência de que a perpetuação do populismo representa uma grave ameaça à democracia e à retomada do crescimento sustentável.
A missão desse grupo é clara: evitar a fragmentação das candidaturas do centro democrático e criar uma chapa presidenciável competitiva até o fim do ano. A eleição de 2022 oferece uma chance ímpar para unirmos o Brasil dos empreendedores e dos trabalhadores, dos liberais e conservadores em torno de uma candidatura capaz de vencer o regresso ao passado tenebroso e a preservação do presente desastroso.
*Cientista Político, é autor do livro ‘10 Mandamentos – do Brasil que somos para o país de queremos’