Texto revogaria obrigação de preservar 80% do ecossistema nos imóveis da Amazônia
Por Amanda Almeida, Daniel Gullino e Natália Portinari
BRASÍLIA — O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) apresentou projeto de lei que retira do Código Florestal o capítulo que trata da reserva legal obrigatória em propriedades rurais. A título de acabar com o que chama de “entrave” e “expandir a produção agropecuária, gerar empregos e contribuir para o crescimento do país”, o texto suprime a obrigatoriedade de ruralistas preservarem parte da vegetação nativa de suas áreas.
O projeto, assinado também pelo senador Marcio Bittar (MDB-AC), revoga o quarto capítulo do Código Florestal, chamado de “Da área de reserva legal”. Nesse trecho, está previsto que “todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente”. Hoje, propriedades rurais na Amazônia Legal têm de reserva legal de 80%; no Cerrado, 35%; e em campos gerais e outras regiões do país, 20%. Caso o texto de Bolsonaro e Bittar seja aprovado, esses percentuais de preservação obrigatórios serão extintos. O capítulo ainda trata de outros casos específicos.
Na justificativa, os senadores alegam que “o país é um dos que mais preserva sua vegetação no mundo”. “Não há pertinência no clamor ecológico fabricado artificialmente por europeus, norte-americanos e canadenses e imposto ao país e a seus produtores rurais, chegando a determinar, segundo interesses políticos e comerciais estrangeiros, o rumo de nossa produção, desenvolvimento e legislação ambiental.”
“A despeito dessa realidade cristalina, burocratas ecológicos continuam a propagar desinformações que permitem a desavisados difamar, caluniar e cercear àqueles que mais preservam a vegetação nativa: os produtores agropecuários. ONGs e organismos internacionais deveriam nos premiar e render homenagens pelo feito”, alegam Bolsonaro e Bittar, na justificativo do projeto.
Os dois senadores dizem que estudos e prospecções revelam que a Amazônia “possuiu em valores de recursos naturais o montante de 23 trilhões de dólares a ser explorado, sendo 15 trilhões em recursos minerais metálicos, não metálicos e energéticos e oito trilhões na superfície, com a biodiversidade”. Por isso, para eles, “é urgente a conciliação profunda e permanente entre proteção do meio ambiente, crescimento econômico e geração de oportunidades para os brasileiros”.
Ambos encontraram-se esta semana com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. De acordo com Bittar, também se discutiu na reunião a ida de Salles para o Acre, prevista para os dias 23 e 24.
‘Grande equívoco’
A pesquisadora Malu Ribeiro, da Fundação SOS Mata Atlântica, critica o projeto.
— Infelizmente, é mais um grande equívoco. E essa foi, durante a votação do novo Código Florestal, uma das maiores pressões da bancada ruralista e do chamado Centrão, durante aquela votação — diz.
O novo Código Florestal foi sancionado em 2012, substituindo uma versão anterior de 1965. Ele regulamenta a exploração de terras e estabelece onde a vegetação nativa deve ser mantida. O texto dividiu ambientalistas, que apontaram retrocessos em relação à legislação anterior, e ruralistas, que defendem a lei. No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve um dos trechos mais polêmicos: a anistia a produtores rurais que desmataram ilegalmente antes de julho de 2008. A Corte também manteve o artigo que autoriza a redução de reserva legal de 80% para 50% em determinadas situações.
— A Reserva Legal hoje tem uma estratégica finalidade de banco genético, de estoque das chamadas madeiras de lei, estoque da biodiversidade. É um grande equívoco essa guerra declarada de um setor conservador do ruralismo brasileiro contra a Reserva Legal. É um absurdo para o país. Só as áreas de preservação permanente, que já foram reduzidas pelo Código Florestal, são insuficientes — completa Ribeiro.
Ao GLOBO, Flávio disse que “a intenção é devolver ao proprietário rural o direito à sua terra, que hoje é inviabilizada e improdutiva por entraves ambientais desnecessários”:
– A proposta não abrange áreas de preservação permanente, como encostas de morros e nascentes de água, e, mesmo após sua aprovação, o Brasil ainda será o país que mais protege sua vegetação nativa no mundo. É possível transformar as riquezas naturais que Deus nos deu em desenvolvimento para a população e, ao mesmo, preservar o meio ambiente.