Relatório aponta ‘provas indiciárias’ da participação de senador
Por André de Souza, de O Globo
BRASÍLIA — Em relatório finalizado em maio, a Polícia Federal disse ter conseguido comprovar, por meio de provas indiciárias, que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) atuou em 2005 para maquiar os dados do Banco Rural entregues à CPI dos Correios, que investigou o esquema do mensalão. Segundo o delegado Heliel Jefferson Martins Costa, o objetivo era esconder os vínculos da instituição com as empresas de Marcos Valério, operador do mensalão, e o governo de Minas Gerais, comandado na época por Aécio.
No relatório, Heliel explica que as provas indiciárias ocorrem nos casos em que “são demonstrados fatos secundários, devidamente comprovados, a partir dos quais é possível extrair a convicção da existência do fato probando, por meio de induções ou raciocínio lógico”. Em outras palavras, o delegado diz que o envolvimento do senador tucano teria sido provado a partir de fatos que, reunidos em ordem lógica, possibilitam ao investigador afirmar que Aécio não tinha como não saber ou não ter participado da trama apurada.
A investigação teve origem na delação do senador cassado Delcídio Amaral, que presidiu a CPI dos Correios entre 2005 e 2006. Ele contou, em um dos seus depoimentos, que a quebra dos sigilos da instituição financeira, envolvida no escândalo do mensalão, comprometeria políticos tucanos, entre eles Aécio. Para evitar que os tucanos aparecessem na investigação, o ex-governador teria participado da articulação para maquiar os dados do banco juntamente com o então vice-governador Clésio Andrade.
O delegado apontou provas indiciárias que remontam a 2004 para justificar sua linha de raciocínio. Naquele ano, as empresas de Valério receberam 50% da verba de R$ 30 milhões de publicidade do governo Minas Gerais. Também em 2004, Heliel apontou um empréstimo fraudulento no valor de R$ 700 mil contraído pela SMP&B, de Valério, junto ao Banco Rural. Os avalistas foram políticos tucanos ligados a Aécio. Em 13 de junho de 2005, pouco depois de o ex-deputado Roberto Jefferson denunciar o mensalão e a atuação de Marcos Valério como operador do esquema, foi feita uma operação para ocultar o nome dos tucanos, que foram avalistas da transação.
A maquiagem se deu, de acordo com o relatório, com a prorrogação do prazo para que o Banco Rural apresentasse à CPI informações sobre os empréstimos contraídos por Valério, que levou à exclusão dos nomes dos fiadores da operação. Aécio teria atuado para que Delcídio aprovasse o novo prazo para o banco prestar informações.
“A exclusão foi feita sem qualquer motivação idônea, vez que não houve alteração nas garantias dadas para quitar o empréstimo que justificassem a renúncia pelo banco dos compromissos fidejussórios (garantias) prestados por Mauri José — presidente da ALMG e líder do Governo Mineiro naquela casa legislativa — e Danilo de Castro — secretário do Governo de Minas Gerais à época dos fatos”, escreveu o delegado.
“Entendo haver restado ao final desta investigação definitivamente comprovado que, em meados de 2005, durante os trabalhos realizados pela CPMI dos Correios, com vontades livres e conscientes, mesmo sabendo da natureza criminosa de suas condutas, Aécio Neves da Cunha e Clesio Soares de Andrade, através de pessoa não plenamente identificada, mas que agia no interesse destes, ofereceram ou prometeram, ainda que tacitamente, indevida e futura vantagem política para que Delcídio, na condição de presidente da CPMI, praticasse ato de ofício contrário a seu dever legal”, escreveu o delegado.
O advogado Alberto Toron, que defende Aécio, criticou as conclusões do delegado:
— Eu não examinei o relatório. Mas acho grosseira essa conclusão.
Eugênio Pacelli, advogado de Clésio, também criticou o relatório:
— O relatório é de uma fragilidade constrangedora, porque se reporta a uma pessoa não identificada como autora do crime. Esse é um ponto. E o segundo ponto é que a PGR, quando se manifesta depois desse fato, sequer menciona o nome de Clésio.
Em documento enviado ao STF, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu o envio do processo para Justiça Federal de Brasília. Como os supostos crimes ocorreram quando Aécio era governador, eles não têm relação com o mandato parlamentar. Assim, diz Dodge, não há foro privilegiado.