Nosso cérebro está sempre atrás de informações que apenas confirmem nossas convicções, diz Tali Sharot
Por William Helal Filho, de O Globo
RIO – A israelense Tali Sharot é neurocientista cognitiva. Trabalha no Laboratório do Cérebro Afetivo do Departamento de Psicologia Experimental da University College London, no Reino Unido, estudando as bases neurais das nossas emoções e tomadas de decisão. Obcecada por explicar por que agimos como agimos, ela vem analisando nosso apego a opiniões. Por que é tão difícil alguém abandonar convicções e mudar de ideia mesmo diante de não importa quantas evidências contrárias? Por que quase ninguém “troca de lado” em relação a tópicos espinhosos como mudanças climáticas e porte de armas? Enfim, por que o amigo no WhatsApp insiste naquele candidato mesmo depois de você listar argumentos “irrefutáveis” contra ele? Nesta entrevista, a autora do livro “A mente influente” (Rocco) dá pistas sobre como amenizar essa polarização aprofundada pelas redes sociais.
Segundo a teoria do “viés da confirmação”, as pessoas buscam confirmar as suas próprias opiniões, e nosso cérebro resiste a evidências contrárias a nossas crenças. Por que a evolução tornou os humanos tão resistentes a mudar de opinião?
Porque a maior parte das nossas crenças é mesmo verdade. Então, na média, é bom que a gente se agarre a elas. Se eu disser para você, por exemplo, que vi um elefante amarelo voando lá fora, você vai saber que estou mentindo ou ficando maluca. Você não vai nem parar para pensar, porque tem certeza sobre as leis de gravidade e sabe que elefantes não voam. O cérebro trabalha da mesma forma quando se trata de outros temas sobre os quais temos convicções. Imagine como seria se aceitássemos todas as informações contrárias às nossas certezas?
E que problemas causam essa resistência ao contraditório e a busca por confirmação?
É como um algoritmo do nosso cérebro, que vai ser bom e eficiente na maioria dos casos, mas não em todos. Em primeiro lugar, gera polarização. Pesquisas de comportamento mostram que, em assuntos como religião, política e meio ambiente, por exemplo, as pessoas, mesmo sem saber, só querem absorver informações que confirmem suas opiniões já formadas. Quando as encontram, as pessoas ficam mais confiantes e, assim, mais resistentes a mudar de ideia, mesmo diante de uma evidência contrária. Agora, os mesmos estudos mostram que, quando o assunto não é importante para uma pessoa, ela muda de ideia mais facilmente.
Hoje vemos isso ocorrer com mais frequência e intensidade nas redes sociais?
Acontece de forma muito mais intensa. Movidas pela busca da confirmação e pela resistência ao contraditório, as pessoas com as mesmas opiniões formam grupos homogêneos. Elas seguem umas as outras, comentam os posts etc. O algoritmo da rede social reforça isso. Para levar a você a informação que você quer, ele analisa seu histórico de engajamento e mostra informações clicadas por pessoas que se comportam como você. Sem a gente saber, quando fazemos uma busca, a solução apresentada tende a repetir coisas que já vimos ou que o algoritmo crê que se encaixa nas nossas crenças. Isso aprofunda a polarização. Pessoas com opiniões diferentes das nossas vão achar outras informações.
E quanto às notícias falsas? Por que, muitas vezes, parece que as pessoas querem acreditar numa informação falsa ou duvidosa?
As notícias falsas muitas vezes são elaboradas sob medida para um grupo de pessoas, de acordo com aquilo em que elas acreditam. É mais ou menos o que observamos no escândalo da Cambridge Analytica. Os autores das notícias falsas, de posse de dados que demonstram quais são suas opiniões, atingem o usuário com informações forjadas para que você acredite nelas facilmente. Porque, se a notícia falsa diz algo que não se encaixa em minhas convicções prévias, provavelmente não vou acreditar nela.
Como acha que essa realidade se aplica durante eleições como esta que o Brasil vive?
É preciso estar atento. Numa eleição, graças ao viés da confirmação, é mais fácil você acreditar numa informação positiva sobre o candidato que você apoia. Agora, se você lê algo ruim sobre o seu candidato, como uma pesquisa dizendo que ele está perdendo intenções de voto, é mais difícil de acreditar, porque ela contradiz suas crenças pessoais.
O que fazer para “driblar” o algoritmo e receber informações diversas?
Precisamos de mais políticas públicas para evitar problemas. Mas estar ciente de que isso ocorre é o primeiro passo. A partir daí, você pode fazer buscas na internet desassociadas de seu histórico. Assim, qualquer nova busca vai partir do zero, sem levar em conta as anteriores. Você também pode começar a seguir pessoas do outro lado de seu escopo ideológico, com respeito às opiniões delas, claro.
Mesmo com a resistência do “viés da confirmação”, a gente muda de opinião muitas vezes na vida. Como atualizar nossas crenças se o cérebro tende a negar o contraditório?
Quatro fatores entram em jogo quando formamos uma crença: nossa crença antiga propriamente dita, nossa confiança nessa crença anterior, a nova prova que a contradiz e nossa confiança nessa nova prova. Se uma criança diz que viu um elefante voar, o adulto não acredita porque se agarra à crença de que elefantes não voam. Mas, se uma criança ouve o pai dizer que viu um elefante voar, ela pode acreditar, já que ainda não formulou a certeza de que elefantes não voam. Além disso, ela tem em alta conta as opiniões do pai.