O Globo: Financiamento público na eleição pode beneficiar partidos nanicos com R$ 45 milhões

A proposta original de criação de um fundo público para financiar as eleições, que prevê uma receita de R$ 3,6 bilhões para os partidos, destinaria em torno de R$ 45 milhões a oito legendas que sequer têm representantes no Congresso Nacional. O financiamento às siglas nanicas vai na contramão de uma das principais pautas em discussão na reforma política: a instituição de uma cláusula de barreira, que restringiria o acesso de legendas com desempenho eleitoral inexpressivo às verbas do governo federal.
Foto: Lula Marques/AGPT
Foto: Lula Marques/AGPT

Levantamento foi feito com base na divisão de recursos sugerida por relator da reforma política

Marco Grillo e Gabriel Cariello, do O Globo

A proposta original de criação de um fundo público para financiar as eleições, que prevê uma receita de R$ 3,6 bilhões para os partidos, destinaria em torno de R$ 45 milhões a oito legendas que sequer têm representantes no Congresso Nacional. O financiamento às siglas nanicas vai na contramão de uma das principais pautas em discussão na reforma política: a instituição de uma cláusula de barreira, que restringiria o acesso de legendas com desempenho eleitoral inexpressivo às verbas do governo federal.

O levantamento do GLOBO foi feito com base na divisão de recursos sugerida pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator da reforma política. De acordo com o texto inicial, o chamado Fundo Especial de Financiamento da Democracia seria composto por 0,5% da receita corrente líquida da União — daí a estimativa de R$ 3,6 bilhões para 2018. Deste valor, 90% seriam reservados para o primeiro turno das eleições — cerca de R$ 3,24 bilhões.

A partir deste montante, a regra para a distribuição entre os partidos obedeceria a quatro critérios: 2% seriam repartidos igualitariamente entre as 35 legendas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE); outros 49% seriam divididos proporcionalmente à votação delas para a Câmara dos Deputados em 2014; o restante seria fracionado de acordo com o tamanho das bancadas na Câmara (34%) e no Senado (15%) em 10 de agosto deste ano.

O recorte dos R$ 45 milhões às oito siglas ausentes do Congresso — PCB, PCO, PMN, PPL, PSDC, PSTU, Novo e PRTB — leva em consideração um cenário em que elas lançariam candidatos a cargos no Executivo e no Legislativo. Os 10% destinados ao segundo turno das eventuais campanhas foram descartados na conta.

REGRA: 1/3 DO FUNDO PARA TRÊS PARTIDOS
A criação do fundo, que faz parte de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), foi aprovada na Comissão Especial de Reforma Política da Câmara. Já a partilha da verba, por não ser uma matéria que demande mudanças na Constituição, será analisada separadamente.

A divisão sugerida no relatório também separa mais de um terço do fundo (37%) para os três maiores partidos do país: PMDB, PT e PSDB.

— Com tantos partidos, não faz sentido distribuir dinheiro a rodo. É loucura um partido pequeno, que funciona praticamente com finalidade de mercado, receber valores exorbitantes. Agora, como se mede a representatividade? O número de deputado eleitos é o termômetro que temos. Outra solução seria usar o dinheiro público depois da campanha, como um ressarcimento. O partido paga a campanha e, depois, é ressarcido na proporção dos votos que recebeu. Ser for mal na eleição, recebe menos; se for bem, recebe mais. O Uruguai faz assim, só que lá são poucos partidos — argumenta o cientista político Carlos Ranulfo, da UFMG.

A dependência dos recursos da União aparece de maneira clara nos balanços financeiros das legendas. Em 2015 — os processos relativos a 2016 ainda estão em andamento no TSE —, o PSDC, por exemplo, registrou apenas R$ 144.695 em contribuições de filiados, o equivalente a 2,3% da arrecadação daquele ano. Já o fundo partidário, também composto por recursos públicos, representou 94,2% das receitas.

A situação do PMN é semelhante: em 2015, a sigla contou com R$ 113.170 em contribuições de pessoas físicas — todos dirigentes, nenhum filiado sem cargo na direção partidária —, o que representou somente 2% da receita anual. Já o bolo do fundo partidário significou 95,7% do orçamento.

A possibilidade da concepção do fundo bilionário é criticada inclusive por presidentes dos partidos nanicos. José Maria Eymael, que está à frente do PSDC, chama a proposta de “arrastão eleitoral”.

— Tira dinheiro da Educação, da Saúde e da Segurança para reeleger deputados. Não tem o menor sentido. Sou contra o fundo, mas esse valor (R$ 45 milhões para o conjunto de legendas sem deputados e senadores) também representa uma desproporção absoluta — afirma Eymael, que se posiciona contra a cláusula de barreira. — É uma indecência falar nisso sem igualdade de oportunidades. A gente já sofre com duas cláusulas de barreira: o tempo muito menor de propaganda na televisão e a divisão desigual do fundo partidário.

AUMENTO DE CUSTOS
Para o presidente do PMN, Antônio Carlos Massarollo, o projeto representa um “divórcio total do Congresso com a população”.

— Não vou nem entrar nos detalhes da forma como se pretende dividir. Mas, em uma situação em que o governo corta direitos dos trabalhadores e diz que não tem dinheiro para arcar com os compromissos, é um valor absurdo — aponta Massarollo, que defende que a base para a cláusula de barreira seja definida nas eleições municipais, não no pleito com abrangência nacional.

Para o cientista político Leonardo Barreto, o acesso ao fundo eleitoral também deveria ser condicionado à cláusula de barreira:

— É um conflito entre representatividade e governabilidade. A existência de partidos pequenos que são criados como negócios e vão receber dinheiro que pode nem ser usado para vencer a disputa é uma questão lateral. O que se vê é um movimento para tentar frear não a existência desses partidos, mas a chegada deles ao Congresso. O problema não é que existam, mas que dificultem o processo de tomada de decisão.

Barreto critica a vinculação do fundo para as eleições à receita corrente líquida do governo:

— O que vai determinar o custo de uma campanha, a partir desta regra, é quanto o candidato terá para gastar. Se a arrecadação do governo crescer nos próximos quatro anos, o dinheiro disponível para campanhas aumentará sem que os elementos que influenciam os custos necessariamente aumentem. O Congresso decide quanto as campanhas vão custar, e a sociedade tem de se adaptar a isso — afirma o cientista político.

Após pressão da opinião pública e dos próprios deputados, a proposta original do fundo de R$ 3,6 bilhões foi perdendo espaço. Um destaque foi apresentado propondo que o valor disponível para as eleições seja definido pelo Congresso durante a elaboração do Orçamento da União.

— O destaque já foi apresentado, e o tema deverá ir à votação na terça-feira — diz Vicente Cândido.

 

 

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