A duas semanas do fim da intervenção federal, general diz ter alcançado metas da ‘missão’ e que espera conseguir gastar 80% dos recursos destinados pela União à segurança do Rio
Por Gabriela Goulart e Selma Schmidt, de O Globo
RIO — A intervenção federal termina em 31 de dezembro, último dia para o empenho de R$ 1,2 bilhão dado pela União à segurança do estado. Ainda falta um bocado. O general Walter Braga Netto acredita que, até as 23h do fatídico 31, alcance 80% da meta. O restante será devolvido. Ele transfere parte da responsabilidade para o estado, que teria se desacostumado a fazer licitações. “Paguei para eles cursos de contratos, processo licitatório, projetos…”, afirma. Braga Netto, que vai para Brasília em março, garante ter cumprido os objetivos de sua missão. Estruturar os órgãos da pasta era um deles. Não à toa não concorda com o fim da Secretaria de Segurança, decisão de Wilson Witzel. Vai além: afirma que o governador eleito terá que definir um interlocutor para a transição da intervenção: “As Forças Armadas não tratam de transição com comandante de polícia’’.
Faltam duas semanas para o fim da intervenção na segurança e só 39% do R$ 1,2 bilhão destinado pela União foram empenhados (autorização para gastar). O Rio vai perder esse dinheiro?
Parte desses recursos, R$ 200 milhões, foi colocada nas Forças Armadas e estão com mais de 90% empenhados. Os 39% são do total.
E R$ 1 bilhão?
Desse R$ 1 bilhão, tenho uma ata parada de mais de R$ 200 milhões para a compra de viaturas. Poucos estão colocando tanto dinheiro na praça, e as empresas ficam alucinadas. Existe a contestação de uma perdedora, que entrou com recurso no TCU (Tribunal de Contas da União).
O senhor acha que consegue empenhar R$ 1,2 bilhão até 31 de dezembro?
Acho que chego acima de 80%. Posso empenhar até 31 de dezembro, onze horas da noite. Isso é normal no Exército. Em Brasília, os ministérios não conseguem gastar os recursos todos.
A liberação do dinheiro demorou?
O problema não foi a chegada do dinheiro. O problema é que o estado desaprendeu a realizar o processo licitatório. A primeira coisa a fazer é especificar o que se quer. Muitas vezes eles não sabiam o que queriam. Precisavam, por exemplo, de pistolas. Mas não sabiam a marca, há necessidade de especificar o modelo.
As Forças Armadas fazem a licitação, mas dependem de o estado especificar…
Tive que ensiná-los a especificar. Se eu fizesse a licitação deles, teria problemas com o TCU. Paguei para eles cursos de contratos, processo licitatório, projetos… Recebi projeto que não era nem projeto.
Há como negociar o prazo do empenho?
Fui no TCU, conversei… Mas não tinha como. Tenho que empenhar até o dia 31, e as aquisições vão chegar no ano que vem. O que eu não empenhar volta para a União.
A burocracia atrapalhou o processo?
Ela dificultou. E eu não esperava tamanha perda de capacidade do estado.
O senhor considera ter cumprido todos os objetivos da intervenção federal?
Acho que cumpri todas as metas. Posso não ter atingido 100% em cada uma delas. O primeiro objetivo era diminuir gradualmente os índices de criminalidade. Todos estão com o viés de queda. Mesmo a letalidade violenta, em decorrência da intervenção legal (antiga intervenção policial), que tinha aumentado, caiu. Implantamos uma sistemática que já existia mas não era efetiva, que era o trabalho em cima da mancha criminal.
A grande crítica é sobre essas mortes em confronto…
Não é que se busque matar. Nosso treinamento é para que os policiais não acertem inocentes. Os bandidos têm uma postura irracional. Um exemplo: teve uma ação na Babilônia e Chapéu Mangueira onde morreram oito pessoas. Os marginais fugiram pelas trilhas e deram num despenhadeiro. E, em vez de se entregarem, atiraram. A partir do momento em que não houver enfrentamento por parte deles, isso vai reduzir sensivelmente.
O governador eleito Wilson Witzel falou em abate, uso de snipers. Qual a postura do Exército em relação a esse enfrentamento?
O Exército tem regras de engajamento para atirar. Não preciso esperar o bandido atirar em mim. Se houver ameaça à tropa ou à população, posso usar a força letal. Mas isso é muito bem treinado.
O Exército usa snipers?
Não temos snipers. Temos atiradores de elite, que vão com a tropa. Não é como nos filmes, aquele atirador que fica escondido. É a pessoa mais adequada para responder ao fogo imediato. É uma ação mais defensiva do que ofensiva. Não tenho atirador meu, posicionado, escondido, esperando para eliminar um elemento que está parado, só porque ele está com um fuzil.
O senhor falou na redução dos índices de violência como uma das metas. Quais eram as outras? Como as avalia?
O segundo objetivo era recuperar a capacidade operativa dos órgãos de segurança. Estão sendo recuperados, tanto na parte de material como de valores. O terceiro era articular de forma coordenada as instituições dos entes federativos. Todos participam e não há disputa por protagonismo. O quarto era fortalecer o caráter institucional da segurança pública e do sistema prisional. Coloquei-os como instituição de estado. Quanto ao quinto, a melhoria da gestão prisional e dos órgãos de segurança, estou atingindo. O sexto foi a estruturação do Gabinete de Intervenção e da Secretaria de Administração. Eles foram estruturados, os recursos vieram.
Como fica a estrutura diante do anúncio do fim da Secretaria de Segurança?
É uma decisão do novo governador. Eu não faria isso. O planejamento que fizemos, do que está sendo executado e da transição, levou em conta a estrutura da secretaria, com as duas polícias subordinadas a ela. Elas tinham passado a trabalhar sem procurar protagonismo.
Essa competição entre as polícias civil e militar é considerada histórica…
Não digo que terminou, mas reduziu muito. Quando pego as duas polícias e elevo para o nível de secretaria, volto a estimular isso. E tiro um fusível, que é o secretário de Segurança. A decisão agora, quando houver uma disputa, terá que ser do próprio governador.
Como se dará o processo de transição da intervenção?
A transição que fica para o ano que vem (até junho) é um controle do legado material, que será feito por dez equipes.
Do lado do estado, quem será o interlocutor com vocês?
O governador tem que definir. O que posso dizer é que as Forças Armadas não tratam de transição com comandante de polícia. O nível é diferente.
O que foi mais difícil durante a intervenção?
A minha maior preocupação era como as duas polícias iriam nos encarar. Iriam abraçar a causa e trabalhar junto ou remar para trás? Acho que a situação do estado estava tão complicada que nos viram como uma balsa de salvamento.
Mas houve vazamentos em algumas operações…
Sim. Mas isso faz parte do problema também.
O senhor fica até quando?
Provavelmente até março. Depois, vou para Brasília.
Vai integrar o novo governo?
Não. Sou general da ativa, do alto comando do Exército.
Quem fica durante a transição?
Após 31 de dezembro, teremos redução de efetivo (inicialmente para 30% dos cerca de 200, incluindo representantes de órgãos como TCU e AGU). O general Richard (Nunes, secretário de Segurança), exonero antes do dia 31. Ele já tem outra missão: é o chefe de gabinete do novo comandante do Exército.
E a intenção do futuro governador de prorrogar a GLO (Garantia da Lei e da Ordem)?
Para ter GLO é preciso ter três “is”: insuficiência de meios, inexistência de meios e incapacidade. Na minha opinião, não há necessidade. Não há necessidade, desde que o planejamento não volte àquela politicagem.
O senhor blindou as indicações políticas na segurança?
Blindei. As pessoas têm até vergonha de pedir.
As investigações sobre o caso Marielle, evoluíram?
Sim. Mas não me envolvo. É um problema da Polícia Civil.
O senhor espera apresentar o assassino antes do dia 31?
Seria o meu coroamento. Mas não adianta apresentar um responsável, e ele, por falhas processuais, for inocentado. Tem que ter robustez.