Em resposta a recurso da defesa do ex-presidente, que questionava competência de Moro para julgar casos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, ministro do STF declarou nulidade em processos
Bernardo Mello, O Globo
RIO – Após a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, que anulou condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no âmbito da Lava-Jato, nesta segunda-feira, O GLOBO preparou oito perguntas (e respostas) para esclarecer os fundamentos e os impactos deste novo desdobramento jurídico envolvendo o petista. Com a decisão de Fachin, temas como a elegibilidade de Lula e a validade de outras decisões proferidas pelo então juiz Sergio Moro tendem a ser reanalisadas.
1 – O que foi decidido?
Em resposta a um recurso da defesa de Lula, que questionava a competência da Justiça Federal de Curitiba para avaliar casos envolvendo o ex-presidente, Fachin acatou o argumento de que não houve conexão direta entre desvios na Petrobras e o pagamento de supostas vantagens indevidas a Lula por parte da OAS nos processos referentes ao tríplex do Guarujá e ao sítio de Atibaia.
Em outras palavras, Fachin firmou entendimento de que decisões proferidas por Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba referentes ao tríplex do Guarujá e ao sítio de Atibaia devem perder a validade, por não se tratar do foro adequado.
“Na estrutura delituosa delimitada pelo Ministério Público Federal, ao paciente são atribuídas condutas condizentes com a figura central do grupo criminoso organizado, com ampla atuação nos diversos órgãos pelos quais se espalharam a prática de ilicitudes, sendo a Petrobras S/A apenas um deles, conforme já demonstrado em excerto colacionado da exordial acusatória”, escreveu Fachin.
Em julho 2017, ao negar um recurso da defesa de Lula, o então juiz Sergio Moro já havia escrito que “este Juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobrás foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente”.
Embora não tenha sido citado na decisão de Fachin, o trecho escrito por Moro se refere à mesma tese conexão direta avaliada pelo ministro do STF.
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2 – Qual foi o argumento usado pela defesa de Lula?
Os advogados do ex-presidente Lula citaram, em sua petição, um entendimento construído inicialmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em questão de ordem de setembro de 2015, “segundo o qual a 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba seria competente apenas para o julgamento dos fatos que vitimaram a Petrobras S/A, sendo imperativa a observância, em relação aos demais, às regras de distribuição da competência jurisdicional previstas no ordenamento jurídica”, conforme relatou Fachin em sua decisão.PUBLICIDADE
No documento, Fachin cita outros casos que passaram pela Segunda Turma do STF, da qual o ministro faz parte, como uma ação que julgava pagamento de propina pela Odebrecht na obra da Refinaria Abreu e Lima, analisada em abril de 2018, e a investigação referente a vantagens indevidas envolvendo a Transpetro durante a presidência de Sergio Machado, analisada em setembro do ano passado.
Nesses casos, os ministros do STF adotaram o entendimento firmado em 2015 e redistribuíram casos originalmente a cargo da 13ª Vara Federal de Curitiba, por avaliarem que o pagamento das vantagens ilícitas não tinham conexão direta com desvios na Petrobras.
3 – Por que só agora Fachin decidiu?
Porque o pedido de habeas corpus foi feito pela defesa de Lula em novembro de 2020, segundo informa Fachin logo no início de sua decisão. O ministro também explica que esta impetração foi “pela vez primeira assim apresentada” pelos advogados do ex-presidente. Fachin ainda faz a ressalva que o pedido se refere a situações similares julgadas pelo STF em período recente, nos quais ele mesmo “restou vencido”.
O ministro também afirmou, na decisão, que usou o recesso judiciário de dezembro de 2020 a janeiro deste ano para analisar o pedido da defesa de Lula, “cotejando a linha evolutiva de seus contornos nesses últimos anos”.PUBLICIDADE
Antes do recesso, Fachin havia chegado a remeter o habeas corpus para análise pelo plenário do STF. Os advogados, no entanto, contra-argumentaram nos embargos de declaração que havia uma “tese jurídica já uniformizada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal” — isto é, a necessidade de ser comprovada a conexão direta entre desvios na Petrobras e supostos pagamentos de propina através de empreiteiras –, “razão pela qual a resolução da questão demandaria tão somente a verificação da sua incidência ao caso concreto”, sem caber nova análise por parte da Corte.
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4 – Em que pé ficam os processos contra Lula?
Fachin determinou a nulidade “apenas dos atos decisórios” tomados nos processos envolvendo Lula, isto é, o recebimento das denúncias e o julgamento propriamente dito. Em sua decisão, o ministro do STF escreve que “o juízo competente (deve) decidir acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios” — isto é, a Justiça Federal do Distrito Federal, novo foro competente para os casos, terá que decidir se confirmará a validade de outros atos no processo, incluindo os depoimentos tomados por Moro em Curitiba.
Segundo juristas, é possível que o inquérito seja convalidado até sua etapa final, com a manutenção de todos os procedimentos de obtenção de provas, apenas deixando a necessidade, por exemplo, de que os interrogatórios sejam refeitos. Para cada ato processual que o novo juiz do caso decida não convalidar, é necessário apresentar uma justificativa.PUBLICIDADE
5 – Lula volta a ser ficha limpa?
Sim. Como os processos em que Lula havia sido condenado em segunda instância foram anulados, o ex-presidente volta a ter sua elegibilidade permitida pela Lei da Ficha Limpa, que impede a participação eleitoral apenas de condenados por órgão colegiado (com mais de um juiz).
No entanto, caso uma nova denúncia seja apresentada contra o ex-presidente e julgada em primeira instância, e depois confirmada em segunda instância, antes do período de registro de candidaturas das eleições de 2022, Lula pode ficar inelegível novamente.
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6 – O que acontece com a acusação de parcialidade do Moro?
Em sua decisão, Fachin determinou a “perda de objeto” dos recursos que buscavam a anulação de casos julgados pelo ex-juiz Sergio Moro com base em acusações de parcialidade, suscitadas principalmente após a divulgação de diálogos no Telegram atribuídos a Moro e a procuradores da Lava-Jato no Paraná.
Portanto, o processo de suspeição de Moro movido pela defesa de Lula — que começou a ser julgado em 2018 e poderia retornar à análise da Segunda Turma do STF ainda neste ano – deixa de existir.
7 – Cabe recurso à decisão de Fachin?
A Procuradoria-Geral da República já afirmou que vai recorrer da decisão. Esse recurso pode pedir ao próprio Fachin que modifique seu entendimento ou solicitar que o tema seja levado para julgamento dos demais ministros, seja na Segunda Turma do STF ou no plenário.PUBLICIDADE
8 – A decisão afeta outros casos da Lava-Jato?
É possível que sim. Na semana passada, Fachin já havia decidido em outra ação, com base em razões semelhantes às levantadas pela defesa de Lula, que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para analisar ilícitos envolvendo a Transpetro.
A tendência é que outros casos com teor semelhante investigados pela Lava-Jato de Curitiba, que não envolvem diretamente desvios da Petrobras, sejam levados à Corte.