O Globo: Eleição britânica e avanço do Brexit confirmam fim de uma era de comércio global

Decisões políticas recentes indicam que sistema comercial global está entrando em um estado no qual interesses nacionais têm prioridade sobre preocupações coletivas.
Foto: Fotos Públicas
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Decisões políticas recentes indicam que sistema comercial global está entrando em um estado no qual interesses nacionais têm prioridade sobre preocupações coletivas

Peter S. Goodman, do New York Times

LONDRES — Durante mais de sete décadas, as potências globais atuaram a partir do princípio de que uma maior integração econômica equivale a progresso histórico. Mas essa era chegou ao fim, como eleitores britânicos deixaram claro.

maioria decisiva assegurada pelo primeiro-ministro Boris Johnson e seu Partido Conservador quase garante que o país irá seguir com seus planos de deixar a União Europeia.

Outra complexa fase do enrolado processo de divórcio está à frente — negociações sobre os termos da futura relação econômica do Reino Unido com a Europa. Mas, de uma forma ou de outra, o mantra de “entregar o Brexit” prometido por Johnson marca uma profunda mudança no sistema comercial do mundo.

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Depois da Segunda Guerra Mundial, os Aliados vitoriosos promoveram uma ordem internacional construída a partir do entendimento de que, quando países trocam bens, eles se tornam menos inclinados à artilharia.

A saída do Reino Unido da União Europeia é a mais clara manifestação de que este princípio não tem mais um apelo decisivo. Ainda assim, a decisão está longe de ser o único sinal de que o sistema comercial global está entrando em um estado no qual os interesses nacionais têm prioridade sobre preocupações coletivas.

Ainda que a guerra comercial entre Estados Unidos e China tenha chegado a uma trégua na sexta-feira, os dois países chegaram a um estado de tanta rivalidade que possivelmente irão continuar buscando alternativas à troca de bens e investimentos. As empresas que produzem bens na China irão enfrentar pressão para explorar outros países, o que apresenta uma ruptura na cadeia global de suprimentos.

O meio tradicional de arbitragem em disputas comerciais internacionais, a Organização Mundial do Comércio, se aproxima da irrelevância, à medida que países passam por cima de seus canais para impor tarifas.

O desgaste dos acordos comerciais internacionais tem sido impulsionado pela crescente irritação pública em muitos países com o aumento da desigualdade econômica e a percepção de que o comércio tem sido generoso com os executivos, enquanto deixa o povo comum para trás.

No Reino Unido, comunidades em dificuldades usaram o referendo de junho de 2016 que deu início ao Brexit como um voto de protesto contra os banqueiros de Londres que haviam desencadeado uma catastrófica crise financeira, e depois forçaram a população a absorver os custos através de uma rígida austeridade fiscal.

Nos Estados Unidos, a base política do presidente Donald Trump se uniu à sua guerra comercial, inclinada a vê-la como um corretivo necessário para a destruição da economia industrial americana por fábricas chinesas.

Da Itália à França e Alemanha, movimentos populares furiosos miraram no comércio como uma ameaça aos meios de subsistência dos trabalhadores, enquanto ao mesmo tempo abraçam respostas nacionalistas e nativistas que prometem cessar a globalização.

— A era dos mercados livres e do liberalismo está acabando — disse Meredith Crowley, especialista em comércio internacional da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. — As pessoas sentem que aqueles que ditam as políticas estão, de alguma maneira, fora de seu alcance.

Incertezas

O Reino Unido envia quase metade de suas exportações para a União Europeia, um fluxo de bens possivelmente em perigo por conta do Brexit. A saída do Reino Unido do mercado comum europeu pode mudar a história do país como sede de diversas multinacionais.

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Desde que o Reino Unido chocou o mundo ao votar para deixar o bloco, suas instituições políticas tentam decidir o que fazer com o nebuloso mandato de saída. Algumas empresas pararam de contratar e de investir, esperando os detalhes dos futuros termos de comércio.

Embora a eleição de quinta-feira tenha dado clareza sobre o Brexit, variáveis significativas ainda permanecem. Assumindo que o plano de Johnson para o Brexit seja aprovado pelo Parlamento, o Reino Unido precisa negociar os novos termos da relação com a Europa antes do fim de um período de transição que vai até o final de 2020 — uma tarefa colossal.

Johnson descartou uma extensão do prazo final, renovando a perspectiva de que o Reino Unido pode novamente flertar com a ideia de deixar o bloco europeu sem um acordo. Esta ameaça pode fazer novamente que empresas armazenem bens e implementem complicados planos de contingenciamento.

Segundo alguns analistas, porém a eleição aumentou a possibilidade de Johnson seguir uma forma mais flexível de Brexit, que mantenha o Reino Unido mais perto do mercado europeu. Sua maioria no Parlamento também é confortável o suficiente para que ele não tenha que se preocupar com a linha-dura conservadora, que defende uma ruptura total com a Europa.

Mas há mudanças à frente. Se a incerteza do Brexit tem sido prejudicial, o que a substitui é a quase certeza de um crescimento econômico mais fraco e da queda nos padrões de vida. O mandato dado a Boris Johnson para “retomar o controle do país” terá custos.

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