Dados do IBGE e do Ministério da Saúde cruzados pelo GLOBO mostram que pelo menos 169,6 milhões de pessoas — quatro em cada cinco brasileiros — podem ser diretamente afetadas caso seja confirmada no texto a possibilidade de acesso mais fácil a armas por moradores de cidades com taxas de homicídios superiores a dez mortes para cada 100 mil habitantes. Ao todo, 3.179 dos 5.570 municípios estão acima desta linha de corte.
Segundo o texto do decreto, ainda em análise, os interessados podem ter até duas armas em casa. A efetiva necessidade de possuir um armamento passa a incluir automaticamente residentes em áreas rurais, proprietários ou responsáveis legais por estabelecimentos comerciais, além de servidores públicos que tenham funções com poder de polícia.
No caso de residências onde vivem crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência mental, o texto preliminar prevê a obrigação de que o proprietário da arma tenha um cofre para guardá-la. O decreto manterá outras exigências para a obtenção da posse, como a idade mínima de 25 anos e a comprovação de capacidade técnica e psicológica para manusear o armamento.
Em 13 estados, mais de 90% da população vive nas cidades afetadas diretamente pela nova legislação. Nesse grupo estão o Rio de Janeiro, que sofreu uma intervenção federal na segurança pública em 2018, além de Bahia, Pernambuco e Ceará — que passa por uma onda de ataques articulados por facções criminosas nos últimos dias.
Nas menores cidades, menos da metade da população das cidades com menos de 10 mil moradores se enquadra neste critério. Porém, o decreto abre a possibilidade para a obtenção da posse de armas também nessas localidades, já que acaba com a comprovação de efetiva necessidade para todos os residentes em zonas rurais.
Após uma reunião com Bolsonaro na manhã de quinta-feira, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disse apoiar a flexibilização do porte de armas no país.
— Sou favorável. Parece que sai amanhã (sexta-feira) — afirmou o governador.
Brecha pode facilitar posse em todo o Brasil
Há uma brecha maior no decreto para que ainda mais pessoas tenham o acesso a armas facilitado. Caso o critério utilizado pelo governo federal seja o das taxas de homicídios dos estados ao invés dos municípios, todo o país seria incluído, de acordo com dados compilados no Anuário da Violência 2018.
Em 2017, a taxa de homicídios no Brasil foi de 30,8 mortos a cada 100 mil habitantes. Até mesmo São Paulo — estado com 10,7 mortes a cada 100 mil habitantes, a menor do país — se enquadra no parâmetro do decreto.
— A primeira questão é o que decreto vai contra o que as evidências científicas mostram. Quanto mais armas em circulação, mais crimes.
Melina ainda destaca a falta de informações sobre o número de pedidos de posse de armas aceitos e negados nos últimos anos:
—Nós não sabemos quantos pedidos foram negados e nem os motivos para isso.
Em 2018, a Polícia Federal concedeu, entre pedidos novos e revalidações, 258.427 registros de posse de arma para a população civil no Brasil — 48.330 foram novos registros e 210.097 foram revalidações.
Bene Barbosa, presidente da ONG Movimento Viva Brasil avalia que o decreto não resolve todos os problemas do Estatuto do Desarmamento, mas é positivo:
— Já é um avanço, porque mostra uma intenção de mudar. Pelo menos é um critério objetivo, porque até agora tínhamos critérios subjetivos para a posse.