Bolsonaro afirma que apoiará ‘processo de transição’ no país vizinho; EUA e mais nove países do continente também reconhecem, ao contrário do México
Por Eliane Oliveira e Daniel Rittner
BRASÍLIA E DAVOS — Ao lado de pelo menos mais 10 governos, incluindo o dos Estados Unidos, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, reconheceu na tarde desta quarta-feira o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, como presidente interino daquele país. “O Brasil apoiará política e economicamente o processo de transição para que a democracia e a paz social voltem à Venezuela”, escreveu Bolsonaro em uma rede social.
Além do Brasil e EUA, reconheceram Guaidó como “presidente encarregado” Argentina, Peru, Colômbia, Chile, Paraguai, Guatemala, Costa Rica, Equador e Canadá. A União Europeia disse apenas que “acompanha de perto” a situação venezuelana e estabeleceu consultas entre os 28 países-membros do bloco. O México anunciou que, por enquanto, continuará reconhecendo Nicolás Maduro como presidente.
Em Davos, onde participa do Fórum Econômico Mundial, Bolsonaro prometeu dar “todo o apoio necessário” para o reconhecimento internacional de Guaidó como presidente e para a mudança de regime na Venezuela. Ele fez uma rápida declaração ao lado do colega colombiano, Iván Duque, da vice-presidente peruana, Mercedes Araóz, e da chanceler canadense, Christya Freeland. Todos participaram de um “diálogo diplomático” sobre a crise venezuelana.
— O Brasil, juntamente com os demais países do Grupo de Lima ao longo do dia, que estão reconhecendo um a um esse fato, nós daremos todo o apoio político necessário para que esse processo siga seu destino — afirmou Bolsonaro, referindo-se ao grupo formado por 14 países da América Latina e do Caribe mais o Canadá.
Duque foi na mesma linha:
— Quero expressar que a Colômbia reconhece Juan Guaidó como presidente da Venezuela e acompanha esse processo de transição rumo à democracia, para que o povo venezuelano se libere da ditadura.
O Itamaraty divulgou uma nota em que afirma que o reconhecimento da proclamação de Guaidó se dá “de acordo com a Constituição daquele país” e “tal como avalizado pelo Supremo Tribunal de Justiça” no exílio.
A oposição, que tem maioria na Assembleia Nacional eleita em 2015, já havia declarado Nicolás Maduro um “usurpador” da Presidência desde que ele tomou posse para um segundo mandato, em 10 de janeiro, depois de ser reeleito em maio de 2018 em um pleito boicotado pelos opositores porque, segundo eles, não cumpria as condições mínimas de transparência e liberdade.
Guaidó, que se proclamou “presidente encarregado” durante uma jornada de protestos contra Maduro em Caracas nesta quarta, recebera carta branca de boa parte dos países do Grupo de Lima para se declarar presidente interino.
A situação na Venezuela foi discutida na semana passada, em Brasília, em reuniões entre membros do primeiro escalão do governo —- entre os quais o chanceler Ernesto Araújo e o ministro da Justiça, Sergio Moro — e líderes exilados da oposição a Maduro. Também participaram das conversas representantes do governo americano e do Grupo de Lima.
O presidente americano, Donald Trump, foi o primeiro dirigente estrangeiro a reconhecer o líder opositor como presidente interino da Venezuela. “Continuaremos a considerar o ilegítimo regime de Maduro como responsável direto por qualquer possível ameaça à segurança do povo venezuelano”, disse o chefe da Casa Branca em comunicado. Trump afirmou ainda que “usará todo o peso econômico e o poder diplomático dos EUA para pressionar pela restauração da democracia venezuelana”. Os EUA informaram que consideram “todas as opções” se Maduro usar a força na Venezuela.
O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, pediu a Maduro que “abandone a Presidência em favor de um líder legítimo, refletindo a vontade do povo venezuelano”. Pompeo também exortou militares e forças de segurança do país a “apoiarem a democracia e protegerem os cidadãos”.
O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, cumprimentou Guaidó. “Tem todo o nosso reconhecimento para impulsionar o retorno do país à democracia”, tuitou Almagro, que tem o apoio de Brasil, Colômbia e EUA, entre outros, para reeleger-se para o cargo.
Europa tenta facilitar diálogo
Mais cedo, em Davos, o chanceler do Paraguai, Luis Castiglioni, disse que vê o Brasil como uma “ponte” para convencer China e Rússia, hoje alicerces internacionais para a sobrevivência política de Maduro, a mudar de posição.
— É uma facilidade que o Brasil tem o Brasil como membro dos Brics — disse o ministro, depois de reunião com o colega brasileiro, Ernesto Araújo.
Para ele, é necessário mostrar aos chineses e aos russos como o regime venezuelano é “pernicioso”. Pequim, sobretudo, vem fazendo empréstimos bilionários a Caracas em troca de compromissos de fornecimento de petróleo em longo prazo. O chanceler destacou a importância de construir uma “aliança global” em torno do assunto e afirmou que espera um “forte compromisso” da União Europeia.
A autoproclamação de Guaidó ocorre quando os europeus tentam promover um “grupo de contato” internacional para buscar uma saída negociada para a crise no país por meio de um diálogo entre governo e oposição. Embora não reconheça as eleições que levaram à reeleição de Maduro, a UE resiste a romper relações com o governo venezuelano e promove desde outubro este grupo que não busca mediar, mas facilitar um diálogo.
Os embaixadores europeus na Venezuela expuseram essa iniciativa, que esperam lançar em meados de fevereiro com a participação de países da América Latina, no fim de semana passado em duas reuniões com Maduro e com Guaidó.