Para ex-presidente do BNDES, imprevisibilidade explica o pânico do mercado: ‘a única certeza é que a crise é grave’
Douglas Gavras, O Estado de S.Paulo
Para o ex-presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ex-ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, os últimos dias de turbulência e quedas nos mercados ao redor do mundo comprovam a falta de previsibilidade da crise econômica causada pela pandemia da covid-19. Ele ressalta que o investidor, agora, precisa ter sangue frio. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estadão.
A última quinta-feira foi um dia tenso nos mercados. Bolsas do mundo todo caíram, muito pelo temor de uma nova onda da pandemia da covid-19. Como navegar em um cenário tão incerto?
Essa é a grande questão. Estamos vivendo uma situação na economia mundial que é completamente desconhecida. Pela natureza atípica da crise atual, não se consegue produzir e nem consumir nada e, como o Produto Interno Bruto é a soma dessa atividade, ele terá forte retração este ano. Não é por acaso que a OCDE (organização apelidada de clube dos países ricos) disse que a depressão econômica deste ano vai ser a maior em um século.
Isso quer dizer os mercados devem reagir mal a cada expectativa de retorno da doença?
É preciso entender a cabeça do investidor, que tem de operar em um ambiente de muitas incertezas. Essa correlação entre normalizar a atividade econômica e o temor de voltar ao isolamento ainda não é uma coisa equilibrada. E o mercado acaba reagindo às notícias que chegam, é a história do apressado que acaba comendo cru.
Se o futuro ainda é incerto, há indicadores de mais longo prazo que devem ser observados?
Há um cenário de juros que está mais complicado ainda. O Fed (banco central americano) sinalizou esta semana que manterá os juros em zero por três anos. Isso é uma coisa que eu nunca tinha visto antes. Quer dizer que ninguém vai ter renda financeira em três anos. Esse conflito é parte do que vimos no pânico dos mercados na quinta-feira, depois da reunião do Fed.
O investidor vai acabar tendo de fazer escolhas mais difíceis nos próximos anos?
Quem investe tem de escolher entre ter um risco na carteira de ações ou não ter risco e ficar sem ganhos. O investidor tem uma escolha de Sofia: ou ele corre o risco de perder capital ou faz uma carteira de ações que devem sofrer menos. São três anos de juros zero, como é que faz?
O Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, teve a primeira semana de perdas após três semanas de ganhos. Parecia descolado das incertezas quanto ao agravamento da pandemia. Isso está mudando agora?
Hoje, eu trabalho com a perspectiva de que o Ibovespa fique entre 90 mil e 92 mil pontos. Agora, a cada mês que passa, você vai conseguindo ter uma visão mais clara do tamanho do problema. A gente nunca passou por nada parecido e o investidor precisa ter paciência e procurar orientação de analistas experientes.
Dá para ser otimista?
O sistema capitalista não vai acabar por causa do coronavírus, as economias vão se normalizar um dia. Hoje, as expectativas estão depositadas na descoberta da vacina. Na hora em que ela chegar, resolve o problema. A única certeza que temos agora é que a crise é grave, o resto é dúvida.