Em entrevista ao GLOBO, Pereira avalia que iniciativa do governo de se aproximar dos partidos do Centrão pode não ser suficiente diante do impacto causado pela prisão de Queiroz
Henrique Gomes Batista, O Globo
SÃO PAULO – A iniciativa do governo de tentar construir uma barreira de proteção ao se aproximar dos partidos do centrão pode não ser suficiente para segurar um naufrágio diante do impacto causado pela prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro. Esta é a opinião do cientista político Carlos Pereira, professor da Fundação Getúlio Vargas.
Qual o impacto da prisão de Queiroz no governo Bolsonaro?
O sistema político brasileiro é muito virtuoso na sua capacidade de se livrar de corpos estranhos, de atores que não entendem como o presidencialismo partidário funciona. Isso ocorreu com o governo Collor e com o governo Dilma. Acho que está acontecendo o mesmo processo com o governo Bolsonaro. Há um mosaico de instituições, como Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal, mídia independente, sendo ativado. Essa prisão do Queiroz foi mais que um sinal amarelo para o governo Bolsonaro na questão de governabilidade. A sustentação política do governo está muito fragilizada. Nem mesmo a iniciativa de construir uma suposta barreira de proteção com o centrão pode ser suficiente agora, após a prisão do Queiroz. Os partidos do centrão vão começar a avaliar se vale a pena continuar. Agora as chances do impeachment do presidente se tornam bem reais.
O tesoureiro Paulo César Farias, no governo Collor, pagava despesas da família e essa descoberta abriu caminho para o impeachment. Agora, as investigações sugerem que um dos filhos de Bolsonaro teve despesas pagas por Queiroz.
Ele (Queiroz) já é uma espécie de PC Farias. Ele já era a pessoa de confiança do presidente antes de ser a pessoa de confiança do filho dele. Já há evidências de R$ 2 milhões que passaram de forma suspeita pelas contas do Queiroz. Parentes do Queiroz atuavam no gabinete do presidente. As conexões são muito grandes, não resta dúvida que o Queiroz é um capa preta da família Bolsonaro. Até a coalização com o centrão fica muito fragilizada, os deputados vão começar a questionar o custo. Bolsonaro começará a ter uma dimensão tóxica.
Como ficam os militares diante desta situação?
Dependendo do que ainda for revelado, os militares vão pular fora do governo. Eles têm muito a perder, demoraram muito para limpar a imagem, mais de 30 anos, pois haviam saído muito desgastados da ditadura. E o governo Bolsonaro os arrastou de volta para a linha de tiro. Talvez este evento Queiroz facilite a situação para que os militares caiam fora. Principalmente os da ativa, para preservarem o nome da instituição. E o governo ficaria muito mais frágil.
O vice-presidente, Hamilton Mourão, ganha força como eventual solução?
Não resta dúvida. Os militares arriscaram muito com este governo, o nome das Forças Armadas ficaram muito comprometidos com este governo. Sair junto com o governo Bolsonaro seria um sinômimo de fracasso. Então é possível que setores das Forças Armadas comecem a considerar um governo intermediário em torno do vice-presidente. Mas para que isso aconteça o vice-presidente precisa dar sinalizações. Ele já havia dado sinais de sua disposição, depois recuou, ficou mais próximo do presidente, então temos que observar se o próprio Mourão está disposto a isso. Do ponto de vista do grupo que dá sustentação ao governo, seria muito mais vantajoso o impeachment que a cassação da chapa (pelo TSE), pois isso seria o fracasso completo do projeto.
A prisão de Queiroz é mais impactante politicamente que a saída de Moro do governo, o vídeo da reunião ministerial, a investigação do Supremo, a minimização da pandemia?
Não dá para dizer se é o mais importante, é mais um elemento. O impeachment não é fruto de uma bala de prata, de um único evento, mas de um desgaste cumulativo. No momento inicial o que deve ocorrer é o centrão inflacionando o preço do apoio. Eu não me surpreenderia se ocorrer, nas próximas semanas, uma reforma ministerial mais ampla, no sentido de tentar acomodar os representantes claros dos partidos que estão dispostos a dar sustentação a este governo.
O senhor acredita que o Congresso começará de fato a avaliar a ideia do impeachment?
Lembro que para impeachments ocorrerem, é necessário povo na rua. A literatura que existe sobre isso identifica que todos os impeachments que ocorreram no mundo tinham quatro elementos presentes. Três estão presentes: uma crise econômica muito forte, um governo minoritário, casos de corrupção. O que está faltando é povo na rua. A pandemia está sendo uma aliada do Bolsonaro.