Débitos tributários e multas aplicadas pela Receita Federal foram anulados por um projeto aprovado pelo Congresso; presidente, que já se posicionou contra taxas pagas pelos templos, tem até 11 de setembro para sancionar ou vetar a medida
Idiana Tomazelli, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – Um projeto aprovado pelo Congresso Nacional pode anular dívidas tributárias de igrejas acumuladas após fiscalizações e multas aplicadas pela Receita Federal. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o valor do “perdão” seria de quase R$ 1 bilhão. O texto aguarda a sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro, que tem na bancada evangélica um importante pilar de sustentação política de seu governo. Ele tem até 11 de setembro para decidir se mantém ou não a benesse aos templos religiosos.
Como revelou o Estadão/Broadcast no fim de abril, Bolsonaro promoveu na época uma reunião entre o deputado federal David Soares (DEM-SP), filho do missionário R. R. Soares, e o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, para discutir os débitos das igrejas. O presidente já ordenou à equipe econômica “resolver o assunto”, mas os técnicos resistem. Bolsonaro também já defendeu publicamente a possibilidade de acabar com taxas ainda pagas pelas igrejas e “fazer justiça com os pastores, com os padres, nessa questão tributária”.
David Soares foi autor da emenda que introduziu, durante a votação na Câmara dos Deputados, o perdão que pode beneficiar inclusive a Igreja Internacional da Graça de Deus, fundada pelo pai do deputado. A instituição tem R$ 37,8 milhões inscritos na Dívida Ativa da União, além de outros débitos milionários ainda em fase de cobrança administrativa pela Receita.
Contatado por telefone e informado do conteúdo dessa reportagem, o deputado disse que não concederia entrevista.
Drible na legislação
As igrejas são alvos de autuações milionárias por driblarem a legislação e distribuírem lucros e outras remunerações a seus principais dirigentes e lideranças sem efetuar o devido recolhimento de tributos. Embora tenham imunidade no pagamento de impostos, o benefício não afasta a cobrança de contribuições (como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, a CSLL, ou a contribuição previdenciária).
Esses dois tributos são justamente os alvos da anistia aprovada pelo Congresso Nacional por meio do projeto de lei 1581/2020, que trata de descontos em pagamento de precatórios (valores devidos pela União após sentença definitiva na Justiça).
A emenda proposta pelo deputado David Soares exclui as igrejas do rol de contribuintes da CSLL, ampliando o alcance da imunidade prevista na Constituição. O texto ainda diz que “passam a ser nulas as autuações feitas” com base no dispositivo anterior à proposta recém-aprovada – ou seja, elimina a dívida.
Outro artigo declara “nulas as autuações emitidas” pela Receita Federal antes de outra lei, de 2015, que buscava frear as autuações sobre a prebenda, como é chamado o valor recebido pelo pastor ou líder do ministério religioso por seus serviços.
A prebenda é isenta de contribuições à Previdência, desde que seja um valor fixo, mas o Fisco começou a identificar pagamentos variáveis, com características de participação nos lucros ou bonificações a quem tem os maiores “rebanhos” de fiéis. Os auditores começaram então a lançar autos de infração e cobrar os tributos devidos com multas e encargos.
Cunha e R.R. Soares
Uma lei aprovada em 2015 tentou colocar um ponto final às cobranças, isentando valores pagos em forma de ajuda de custo de moradia, transporte e formação educacional. Em um vídeo publicado nas redes sociais em outubro de 2016, o missionário R. R. Soares aparece ao lado do então presidente da Câmara Eduardo Cunha, ligado à bancada evangélica, agradecendo pela aprovação da lei.
A Receita, porém, reagiu exigindo a comprovação desses gastos e continuou aplicando multas nos casos em que não havia apresentação de documentos, ou ainda sobre outros tipos de parcelas pagas aos pastores. Enquanto isso, abriu-se uma verdadeira queda de braço em torno do passivo acumulado, que agora o Congresso Nacional quer perdoar.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a área econômica deve recomendar veto aos trechos que anulam as dívidas das igrejas. Procurado por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério da Economia não quis comentar. A Secretaria-Geral da Presidência da República, que abriga a Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ), principal órgão de assessoramento jurídico do presidente, informou que “o projeto citado está em análise”.
Hoje as igrejas têm ao todo R$ 1,5 bilhão em débitos inscritos na Dívida Ativa. O perdão, no entanto, valeria apenas para as autuações sobre não pagamento de CSLL e contribuição previdenciária. A consulta pública da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) mostra que os templos acumulam R$ 868 milhões em dívidas previdenciárias de qualquer espécie (não necessariamente apenas sobre prebenda), mas não detalha débitos da CSLL.