Políticos e juristas condenam compartilhamento de vídeos que convocam para atos anti-Congresso; decano do STF diz que conduta revela a ‘face sombria’ do presidente
Amanda Pupo, Felipe Frazão, Luiz Vassallo, Paulo Roberto Netto, Pedro Prata, Pepita Ortega, Rafael Moraes Moura e Vera Magalhães, de O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO – Um dia após o presidente Jair Bolsonaro compartilhar dois vídeos de convocação de protestos contra o Congresso, autoridades, políticos e juristas reagiram, citando até a possibilidade de que o presidente tenha cometido crime de responsabilidade. Bolsonaro afirmou que se tratou de “troca de mensagens de cunho pessoal”. Uma das reações mais contundentes veio do ministro do STF Celso de Mello, que considerou “gravíssima” a conduta de Bolsonaro.
Um dia após o presidente Jair Bolsonaro compartilhar dois vídeos de convocação para protestos anti-Congresso, autoridades, políticos e juristas reagiram, citando até a possibilidade de que ele tenha cometido crime de responsabilidade. O governo tentou minimizar a crise. Bolsonaro afirmou que se tratou de “troca de mensagens de cunho pessoal”. Militares que atuam no Planalto alegaram que o presidente não fez críticas diretas aos parlamentares nem foi o responsável pela confecção do vídeo.
O envio das mensagens por Bolsonaro foi revelado anteontem pelo site BR Político. Uma das respostas mais contundentes veio do Judiciário. O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, afirmou que considera “gravíssima” a conduta de Bolsonaro e que o envio do vídeo revela a “face sombria de um presidente que desconhece o valor da ordem constitucional”. Para o ministro, Bolsonaro demonstra visão “indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo que exerce”.
“O presidente da República, qualquer que ele seja, embora possa muito, não pode tudo, pois lhe é vedado, sob pena de incidir em crime de responsabilidade, transgredir a supremacia político-jurídica da Constituição e das leis da República”, afirmou o decano. A Lei 1.079/50 prevê, como um dos crimes de responsabilidade do presidente, atentar contra “o livre exercício” dos outros Poderes, o que pode levar a um pedido de impeachment.
Setores da sociedade também relacionaram o ato de Bolsonaro a uma possível conduta criminosa. O secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), d. Joel Portella, disse que a Igreja Católica poderá questionar judicialmente a responsabilidade de Bolsonaro. A atuação do presidente no episódio “ultrapassa os limites da legalidade”, na avaliação da presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Rita Cortez.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que “criar tensão institucional não ajuda o País a evoluir”. “Somos nós, autoridades, que temos de dar o exemplo de respeito às instituições e à ordem constitucional”, declarou.
Anteontem, os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff já haviam repudiado o envio dos vídeos.
O presidente respondeu pelas redes sociais. Em um post no Twitter, Bolsonaro declarou que troca “mensagens de cunho pessoal” com amigos pelo WhatsApp, sem negar que tenha enviado a filmagem. “Qualquer ilação fora desse contexto são tentativas rasteiras de tumultuar a República”, disse. Segundo o Estado apurou, ele ficou irritado com o ex-deputado Alberto Fraga e com o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, que falaram sobre o vídeo com a imprensa.
Harmonia. Presidente do Supremo, o ministro Dias Toffoli defendeu uma “convivência harmônica entre todos”. Sem mencionar o vídeo, ele afirmou que o Brasil “não pode conviver com um clima de disputa permanente” e não existe “democracia sem um Parlamento atuante, um Judiciário independente e um Executivo já legitimado pelo voto”. O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, afirmou que as instituições devem ser “honradas por aqueles aos quais incumbe guardá-las”.
A convocação para os atos ganhou força na semana passada, após o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, dizer que Bolsonaro não deve ceder a “chantagens” do Congresso.
Um grupo de WhatsApp criado em 2018 e batizado de “Mkt Bolsonaro” está sendo usado para debater o assunto. Em uma das conversas, o investidor Otavio Fakhoury anunciou que pretende “ajudar a pagar o máximo de caminhões que puder” para os atos. “Convocarei todos que eu conhecer.” Procurado, ele disse que as manifestações são a favor do governo, não contra o Congresso.