Decisão do ministro Nunes Marques que esvaziou Lei da Ficha Limpa provoca corrida de condenados que tentam assumir mandatos em janeiro
Rafael Moraes Moura, O Estado de S. Paulo
A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques, esvaziando a Lei da Ficha Limpa, provocou uma corrida de candidatos a prefeito e vereador no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Depois que o magistrado concedeu uma liminar reduzindo o período de inelegibilidade de políticos condenados criminalmente, ao menos cinco candidatos já acionaram o TSE para conseguir ser diplomados e assumir o cargo, em janeiro de 2021.
Os pedidos aguardam uma decisão do presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, responsável pelo exame de processos considerados urgentes durante o recesso do tribunal. Até agora, quatro candidatos a prefeito – de Pinhalzinho (SP), Pesqueira (PE), Angélica (MS) e Bom Jesus de Goiás (GO) – e um a vereador, de Belo Horizonte (MG), recorreram ao TSE para garantir a diplomação.
O entendimento de Nunes Marques vale apenas para políticos que ainda estão com processo de registro de candidatura, neste ano, pendente de julgamento no TSE e no próprio Supremo. A indefinição pode levar presidentes de Câmaras Municipais a assumir o cargo no lugar de prefeitos eleitos pelo voto popular.
Condenado por delito contra o patrimônio público em segunda instância, há 11 anos, o prefeito eleito de Bom Jesus de Goiás, Adair Henriques (DEM), obteve 50,62% dos votos válidos nas urnas. Teve o registro da candidatura autorizado pelo Tribunal Regional Eleitoral goiano, mas perdeu no TSE, onde um recurso está pendente de análise.
“Se não houver diplomação do candidato eleito para o cargo de prefeito, o presidente da Câmara Municipal exercerá a chefia do Executivo, não obstante não tenha se candidatado nem tenha sido votado e eleito para o posto”, argumentou a advogada e ex-ministra do TSE Luciana Lóssio, defensora de Adair.
Após a decisão do Supremo, o líder comunitário Júlio Fessô (Rede), que disputou no mês passado uma vaga de vereador em Belo Horizonte, também acionou o TSE. O tribunal mineiro havia considerado inelegível o candidato, que foi condenado à prisão em 2006, por tráfico de drogas, e cumpriu pena até 2011. Agora, com base na decisão do Supremo, Fessô busca o aval da Justiça Eleitoral para ocupar a cadeira na Câmara Municipal.
Outro candidato que aguarda uma decisão do TSE é Cacique Marquinhos (Republicanos), vitorioso na disputa pela prefeitura de Pesqueira, no agreste pernambucano, com 51,60% dos votos válidos. Marquinhos, no entanto, foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa por causa de uma condenação pelo crime de incêndio, em 2015. O registro da candidatura foi negado pelo TRE pernambucano, o que levou o caso ao tribunal superior. O TSE informou que não vai se manifestar sobre o assunto porque “o tema está pendente de decisão definitiva do STF”.
No sábado, Nunes Marques atendeu a um pedido do PDT e considerou inconstitucional um trecho da Lei da Ficha Limpa, que fazia com que pessoas condenadas por certos crimes – contra o meio ambiente e a administração pública, além da lavagem de dinheiro, por exemplo – ficassem inelegíveis por mais oito anos, após o cumprimento das penas. Logo depois, a Procuradoria-Geral da República entrou com recurso contra a decisão.
Em entrevista à TV Justiça na última quarta-feira (23), o presidente do STF, Luiz Fux, disse que cabe a Nunes Marques analisar o recurso da PGR contra a decisão. “O presidente do Supremo pode muito, mas não pode tudo”, disse Fux, ao fazer o aceno ao colega.
Para a PGR, a decisão levou à quebra da isonomia no mesmo processo eleitoral, já que o afastamento da Lei da Ficha Limpa vale apenas para os candidatos com registro ainda pendentes de análise no TSE e no STF.
“A decisão criou, no último dia do calendário forense, dois regimes jurídicos distintos numa mesma eleição, mantendo a aplicação do enunciado do Tribunal Superior Eleitoral aos candidatos cujos processos de registros de candidatura já se encerraram. Cria-se, com isso, um indesejado e injustificado discrímen, em prejuízo ao livre exercício do voto popular”, criticou o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques.