Por André Shalders
“Havia tensão porque o governo enviou a Polícia Federal e o Exército e eles iam invadir o local. Jungmann tentou garantir que os militantes do MST não fossem agredidos”, relembra a servidora aposentada Maria de Oliveira, à época funcionária da Ouvidoria Agrária Nacional. Depois de quase 24h de trabalho, na madrugada de domingo, Jungmann e Oliveira conseguiram um acordo para que o MST saísse, sem prisões. O acordo, no entanto, não foi inteiramente cumprido: 16 líderes do MST e a filha de um dos militantes, de 16 anos, foram deitados com a barriga na lama do chão, algemados e presos.
Estar no lugar certo na hora em que as coisas estão pegando fogo é uma das especialidades de Jungmann, de 65 anos, nomeado nesta segunda-feira pelo presidente Michel Temer para chefiar o recém-criado ministério da Segurança Pública. Natural de Recife (PE), Jungmann tornou-se ministro da Defesa em 12 de maio de 2016, quando Michel Temer (MDB) anunciou a primeira formação de seu governo.
Daquele dia até hoje, o pernambucano acumulou poder e se tornou um dos homens fortes de Temer. A nomeação como ministro da Segurança Pública mostra isso: o pernambucano será o responsável pela área que é “prioridade zero” do Planalto. Nesta terça-feira, horas depois de ser nomeado, Jungmann deu o tom de sua gestão: demitiu do comando da Polícia Federal o delegado Fernando Segóvia – que causara dificuldades ao Planalto com declarações atabalhoadas sobre um inquérito que investiga o presidente Michel Temer – e o substituiu por Rogério Galloro.
Comandar a “prioridade zero” do governo significa também que Jungmann voltará ao foco da tensão: uma das missões dele será acompanhar a intervenção federal na área de segurança pública do Rio de Janeiro, em andamento desde meados de fevereiro.
Antes mesmo de ser alçado ao posto, distribuiu declarações fortes sobre os planos da intervenção. Em entrevista coletiva, aventou a possibilidade de “mandados coletivos de busca e apreensão” e chegou a falar em “captura coletiva” de suspeitos. Mais recentemente, culpou usuários de classe média por sustentar o tráfico de drogas.
O comportamento aguerrido não é novidade na trajetória do político, como prova outro episódio de sua carreira.
No dia 21 de setembro de 2009, o ex-presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, voltou às escondidas a seu país e foi à embaixada brasileira em Tegucigalpa, em busca de asilo político. A situação criou um impasse: as forças armadas do país cercavam a embaixada.
Jungmann, que era deputado federal à época, chegou à embaixada no fim de setembro, como o coordenador de uma missão do Congresso. Um dos seus ex-assessores diz que Jungmann “sentou na cadeira do embaixador”, tomando o controle da situação. Na manhã seguinte, declarações de Zelaya estavam em todos jornais brasileiros: bastava ligar para o pernambucano para falar com o ex-presidente hondurenho.
Foi Temer antes de ser “modinha”
A reportagem da BBC Brasil conversou com quase uma dezena de subordinados, ex-funcionários, correligionários e colegas de trabalho de Jungmann.
Alguns traços foram mencionados pela maioria das pessoas que o conhecem: o novo ‘czar da Segurança Pública’ dorme pouco (é comum que mande e-mails e faça ligações de trabalho no meio da madrugada); é rápido na tomada de decisões; tem bom trânsito dentro do Congresso e nas Forças Armadas e costuma colocar a própria carreira acima de questões partidárias (ele é filiado ao Partido Popular Socialista, o PPS).
No Palácio do Planalto, é visto também como alguém que adotou a causa de Michel Temer “antes de ser modinha” – ou seja, tomou o lado do então vice antes que o emedebista assumisse a cadeira de Dilma Rousseff (PT). A lealdade precoce justifica parte de seu atual sucesso. É de Jungmann, por exemplo, o pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que impedisse a posse do ex-presidente Lula como ministro de Dilma, em março de 2016.
Mas o fator determinante para seu acúmulo de poder foi o bom relacionamento dele com as Forças Armadas – algo que ele cultiva desde antes de se tornar ministro da Defesa. No Planalto, Jungmann é visto como a melhor “ponte” disponível entre o generalato e o mundo civil.
Ao longo da trajetória política, Jungmann alterou suas prioridades de questões do campo e da reforma agrária para a segurança pública. Em 2005, quando o país realizou um referendo sobre a proibição do comércio de armas de fogo, Jungmann se engajou na campanha pelo “sim”, que defendia mais restrições ao comércio de armamentos, como secretário-geral da Frente Brasil Sem Armas. O lado dele, porém, foi derrotado.
Enquanto foi deputado (de 2003 a 2011, e depois de 2015 até maio de 2016), Jungmann começou a se aproximar dos militares ao comandar comissões na Câmara que tratavam de projetos de interesse da caserna. Durante o processo de impeachment de Dilma, entre 2015 e 2016, era ele quem “tirava a temperatura” dos generais e mantinha informado o comando “pró-Temer” no Congresso. Era, por exemplo, frequentador dos jantares na casa de Heráclito Fortes (PSB-PI), em Brasília, nas quais se reuniam deputados que trabalharam pelo impeachment.
Padrinhos políticos
O pai do ministro, Sílvio Jungmann da Silva Pinto, foi um jornalista e servidor público conhecido em Recife. Militava em causas de esquerda e, por isso, teve de se mudar do Estado nordestino para São Paulo (SP) quando a repressão política da ditadura militar iniciada em 1964 recrudesceu, segundo o deputado Roberto Freire (PPS-SP). O filho, por sua vez, permaneceu na capital pernambucana e iniciou o curso de psicologia na Universidade Católica do Estado em 1976, sem se formar.
O sobrenome pelo qual o ministro é conhecido vem da família paterna, e é de origem alemã. Jungmann também tem ascendência judaica.
Mais ou menos na mesma época em que começou o curso universitário, ele se filiou ao Movimento Democrático Brasileiro, o MDB, único partido de oposição permitido no regime militar. Segundo Roberto Freire, Jungmann ajudava a organizar os comícios que o MDB fazia pelo país na década de 1970, contra a ditadura. Foi só um pouco depois, em 1990, que ele entrou oficialmente para o PPS, que na época ainda se chamava PCB – o Partido Comunista Brasileiro.
“Ele era muito próximo da gente, atuava com o nosso pessoal no PCB (antes de entrar oficialmente). Não era militante nosso, mas era mais empenhado que muitos militantes”, diz Freire, que é presidente nacional do PPS. “Naquele ano (1990) a gente fez um Congresso do partido no qual pessoas que não eram filiadas tinham direito a voz e voto nas teses políticas (mas não nos aspectos administrativos). Foi aí que ele entrou”, conta Freire.
Jungmann teve dois grandes padrinhos políticos no começo de sua carreira política em Brasília: o próprio Roberto Freire e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC). Este último é descrito por mais de uma pessoa como uma espécie de “mentor” do pernambucano. Jungmann também era amigo da mulher de FHC, a antropóloga Ruth Cardoso.
No mesmo ano em que entrou para o PCB, Jungmann obteve seu primeiro cargo de chefia, como secretário de Planejamento do governador de Pernambuco, Carlos Wilson (um político com origem na Arena, partido que apoiava os militares).
O primeiro cargo em Brasília viria no governo de Itamar Franco, como braço-direito do então ministro do Planejamento Alexis Stepanenko (1993-1994). A indicação foi de Freire, que era líder do governo de Itamar no Congresso.
De ministro a suplente de deputado
Nos anos seguintes, já no governo FHC, entre 1995 e 2002, viriam os cargos relacionados à questão agrária: presidente do Ibama, do Incra, e titular dos ministérios de Política Fundiária e do Desenvolvimento Agrário. Na época, o PPS fazia oposição a FHC. Jungmann, por isto, foi colocado numa espécie de “geladeira partidária”: a sigla permitiu que ele assumisse os cargos, mas afastou-o de todos os assuntos internos do partido.
Discreto sobre sua vida pessoal, Jungmann teve nesta época um relacionamento com a jornalista Sílvia Faria, então chefe do jornalismo da Rede Globo em Brasília. Eles não foram casados formalmente, mas viveram juntos de 1994 até o começo dos anos 2000. Antes, fora casado com Patrícia, de quem se divorciou e com quem teve um casal de filhos já adultos: Júlia (advogada) e Bruno (administrador de empresas).
Em 2003, o PT chegou ao poder com o ex-presidente Lula e Jungmann se elege deputado federal por Pernambuco, pela primeira vez, pelo PMDB (ele voltaria ao PPS depois da eleição). O PPS, na época, apoiava o governo petista. Pessoalmente, Jungmann nunca simpatizou com o PT: em 2005, foi um dos defensores do rompimento do PPS com o governo de Lula. Ainda assim, mantém interlocutores também entre os petistas: um deles é o ex-ministro da Justiça de Dilma e advogado José Eduardo Cardozo.
Nas eleições de 2014, Jungmann concorreu a deputado federal pelo PPS, e teve apenas 36,8 mil votos. Não foi eleito e terminou como suplente. Mas quando os eleitos em outubro de 2014 começaram de fato a trabalhar, em fevereiro de 2015, Jungmann estava lá: assumiu como suplente de Sebastião Oliveira (PR), que foi chamado para ser secretário de Transportes do governo de Paulo Câmara (PSB), em Pernambuco.
O fato de ser suplente fez com que Jungmann não estivesse oficialmente deputado quando a Câmara votou o impeachment de Dilma, em maio de 2016: Oliveira tinha reassumido o cargo. Jungmann circulou pelo plenário no dia, mas não pode votar contra a petista.
A reportagem da BBC procurou Jungmann na última segunda-feira, mas ele não respondeu aos pedidos de entrevista.
Até tu, Bruto?
Nos últimos anos, Jungmann também teve que responder a questionamentos relacionados à menção ao seu nome em uma planilha de propinas da Odebrecht no âmbito da Operação Lava Jato.
Em arquivos encontrados em 2016 com o ex-diretor da empreiteira, Benedicto Barbosa Silva Júnior, o BJ, o nome de Jungmann aparece relacionado aos valores “50 + 50” ou “100” e ao apelido “Bruto”. O valor seria referente a doações para a campanha de 2012, quando Jungmann se elegeu vereador em Recife. Nas eleições seguintes (2014), a Odebrecht doou R$ 384 mil à campanha de Jungmann, diretamente e por meio do PPS.
Em maio de 2017, quando o STF retirou o sigilo da delação da Odebrecht, tudo que havia em relação a Jungmann era uma petição (PET), com a recomendação do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para que a investigação sobre ele fosse arquivada. Isto porque, segundo os próprios delatores da Odebrecht, as doações ao pernambucano foram legitimas, sem contrapartidas. O caso acabou arquivado pelo STF.