A primeira vez que fui a Nova York, em 1967, com uma passagem ganha pela vitória, em parceria com Dori Caymmi, no I Festival Internacional da Canção, tinha 22 anos, era jornalista iniciante e vivia em uma ditadura com livros e filmes proibidos, e palavras-tabu como comunismo, racismo e feminismo.
Dividi com um jovem boa-praça que conheci no avião, e também era calouro em Nova York, um quarto enorme num hotel da Rua 46 por 11 dólares.
Fui passear e dei com uma lojinha de bugigangas e novidades, oferecendo a nova moda de decoração: por um dólar, lindos pôsteres de um metro quadrado em preto e branco, de grandes artistas e personalidades, que davam beleza e identidade à sua casa, diziam quem você era. Elvis, Marlon Brando, Luther King, Pancho Villa …
Dei gargalhadas com um vendedor oferecendo aos berros pôsteres de “Charlie” Marx e “Freddie” Engels, com a maior intimidade, como se fossem ídolos de beisebol. No Brasil, seria preso como subversivo. Temerário, levei bem enrolado no fundo da mala um pôster de Trótski para o nosso ídolo da redação do “Jornal do Brasil”, Fernando Gabeira, que logo cairia na clandestinidade.
Levei um baita susto ao ver vários modelos de camiseta com a cara de Che Guevara, que eram impensáveis no Brasil. Tinham virado moda entre os jovens, estavam fazendo muito dinheiro com elas. Pensei nas tais contradições do capitalismo que discutíamos na faculdade, diante da força irresistível da máquina colossal que transformava seus inimigos em produtos de consumo. Que transformava tudo em entretenimento e dinheiro: política, sexo, religião, crimes… mas em plena democracia.
A liberdade e a fartura americanas me impressionaram como um novo mundo, a opção eram a pobreza e a repressão do comunismo cubano e soviético sonhado pela esquerda brasileira. Mas como ser contra a ditadura sem ser a favor da esquerda?
Mais de meio século depois, atualizo a pergunta. Como ser, no Brasil de Bolsonaro, contra a direita religiosa, sem ser a favor da esquerda populista?