Luiz Caros Azedo | Correio Brasiliense
A Esplanada, com 37 novos ministros indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, representa uma coalizão de nove partidos no primeiro escalão. Há 11 ministros sem filiação ou vinculação partidária. Ontem, foram indicados os 16 que faltavam, entre os quais duas estrelas, Simone Tebet (MDB) no Planejamento e Marina Silva (Rede) no Meio Ambiente, ambas ex-candidatas a presidente da República. MDB, União Brasil e PSD levaram nove dos novos indicados, a maioria políticos sem projeção nacional. Agora, Lula administra o descontentamento do Solidariedade, PV e Cidadania, partidos que o apoiaram no segundo turno e ficaram fora do primeiro escalão. Lula pretende ampliar seu governo com indicações dessas legendas para cargos importantes no segundo escalão, mas isso ficará para depois da posse.
Entretanto, o anúncio dos novos ministros foi completamente ofuscado pela morte do Pelé, aos 82 anos, que estava internado em estado grave, no Hospital Alberto Einstein, em São Paulo. Ele era a personalidade brasileira mais admirada e reconhecida internacionalmente; sua morte está tendo enorme repercussão mundial. Foram proféticas as palavras do escritor e jornalista Nelson Rodrigues, ao ver Edson Arantes do Nascimento jogar pela primeira vez e se surpreender com a idade do craque: “É um menino, um garoto. Se quisesse entrar num filme da Brigitte Bardot, seria barrado”, escreveu na coluna intitulada “Meu personagem do ano”, de janeiro de 1958. Pelé tinha apenas 17 anos.
“Mas, reparem: é um gênio indubitável! Pelé podia virar-se para Michelangelo, Homero ou Dante e cumprimentá-los com íntima efusão: ‘Como vai, colega?’.” Pelé foi coroado rei do futebol pelo cronista em março de 1958, quando Nelson Rodrigues escreveu na Manchete Esportiva: “Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável — a de se sentir rei, da cabeça aos pés”. Manteve a coroa de forma eterna. Para os especialistas, será muito difícil surgir um jogador tão completo quanto ele. Tive o privilégio de vê-lo jogar no Estádio Mario Filho, no Maracanã, contra o Flamengo e com a camisa rubro-negra, ao lado de Zico.
Ele foi personagem marcante do meu primeiro trabalho remunerado, ainda na adolescência. Minha missão era retransmitir os jogos da Copa da Inglaterra (1966) na loja de venda de anúncios classificados dos jornais O Dia e A Notícia na Baixada Fluminense, à na Rua Manoel Teles, em Duque de Caxias. A tarefa consistia basicamente em ligar e desligar o rádio e os alto-falantes, abrir e fechar a loja, que mais tarde viria a abrigar a sucursal dos dois diários de Chagas Freitas na Baixada Fluminense e nos quais comecei minha vida de repórter, em fevereiro de 1969. Ainda não havia transmissão direta por tevê.
A campanha da Seleção Brasileira de futebol foi a mais atabalhoada já feita, apesar de os jogadores chegarem com a aura de bicampeões do mundo. Na preparação, o técnico Vicente Feola convocou 47 jogadores, que se revezavam em quatro times. A equipe passou por Lambari, Caxambu, Teresópolis, Três Rios e Niterói antes de viajar a Londres. Paulo Amaral, o preparador físico, deu lugar ao professor de judô Rudolf Hermanny, cujos métodos eram inadequados para o futebol. Apesar de ganhar massa muscular, a
equipe não aguentava os 90 minutos de correria em campo.
Duas Copas
Além disso, a equipe titular somente foi escalada e passou a treinar às vésperas da Copa. Reuniu craques de 1958 e 1962, como Pelé, Garrincha, Gilmar e Bellini, e jogadores que ainda iriam se destacar com a camisa do Brasil na Copa do México de 1970, como Gérson, Jairzinho, Lima e Tostão. Na estreia, o Brasil ganhou da Bulgária por 2 x 0, gols de Garrincha e Pelé. A multidão, que acompanhava os jogos pelos alto-falantes, sorria, urrava e chorava de alegria. Quando o jogo acabou, fechei a loja, fiz um lanche no City Caxias, o bar da esquina, e fui para a rodoviária pegar o Meier-Caxias, de volta casa, no Engenho Novo, no Rio. A sensação era de sócio da vitória da Seleção e de dever cumprido. Pelé era o meu herói, o orgulho da nação.
No jogo seguinte, porém, veio a decepção. Antes de a partida começar, concentrada sob os pilotis do prédio onde ficava a loja, a multidão já estava apreensiva, porque Pelé não entrou em campo contra a seleção da Hungria. O rei havia sido perseguido implacavelmente pelos zagueiros da Bulgária; foi vitorioso, mas acabou contundido. Com ajuda dos camaradas búlgaros, eram dois países da chamada Cortina de Ferro, os húngaros venceram por 3 x 1 e acabaram com invencibilidade brasileira de 13 jogos em mundiais. A última derrota havia sido justamente para a Hungria, em 1954, na “Batalha de Berna”, como o jogo ficara conhecido, por causa da briga entre os atletas das duas equipes.
Pelé entrou em campo no jogo seguinte, e a esperança voltou aos torcedores, que uivavam quando o locutor narrava as jogadas do craque. A vaga para as quartas de final estava sendo disputada com a seleção de Portugal. Entretanto, Pelé jogou contundido, na base do sacrifício; de novo, foi duramente caçado pelos adversários, sem condições físicas de escapar das chuteiras dos marcadores. O Brasil foi derrotado por 3 x 1 e eliminado da disputa. Quando a partida terminou, meu trabalho acabou. Desliguei os alto-falantes, o rádio, fechei a loja e fui para casa chorando, como a maioria dos torcedores. É a mesma tristeza que senti ontem, só que agora é irreparável, ao contrário do que aconteceu em 1966. Na Copa do México, que assistimos ao vivo e em cores pela tevê, quatro anos depois, Pelé e seus companheiros conquistariam o tricampeonato mundial de futebol para o Brasil.