Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Nossa colega Vera Magalhães, vítima de um ataque direto do presidente Jair Bolsonaro (PL) no debate dos presidenciáveis na Band e, agora, mais recentemente, de uma agressão verbal do deputado paulista Douglas Garcia (Republicanos) — que está sendo investigado pelo Ministério Público por suspeita de crime de stalking e dano emocional àquela profissional —, tornou-se uma espécie de símbolo do relacionamento oficial do atual governo com a imprensa.
Na verdade, as grosserias e agressões a jornalistas por parte de Bolsonaro e seus aliados ocorrem desde o começo do governo, tendo como cenário privilegiado o famoso cercadinho do Palácio da Alvorada, local utilizado pelo presidente para suas conversas com apoiadores e entrevistas quebra-queixo com os jornalistas credenciados na Presidência. E se reproduzem nas redes sociais.
No livro A Política como Vocação — na verdade uma palestra famosíssima, em 1918, na Universidade de Munique —, o sociólogo alemão Max Weber discorre longamente sobre as atividades dos jornalistas. Publicada um ano depois, a obra é um clássico da ciência política e referência para os estudantes de jornalismo, pois mostra que a profissão é inseparável da política.
Ao falar sobre os jornalistas, Weber dizia que somos uma espécie de “casta de párias” e, por isso, “as mais estranhas representações sobre os jornalistas e seu trabalho são, por isso, correntes”. Com razão, afirmava que a vida do jornalista é muitas vezes “marcada pela pura sorte”, sob condições que “colocam à prova constantemente a segurança interior, de um modo que muito dificilmente pode ser encontrado em outras situações”.
É o que está acontecendo com Vera Magalhães, cujo texto contundente e sempre bem contextualizado se destaca entre os analistas políticos, além do fato de que faz parte de uma geração que transitou do jornalismo impresso para a comunicação multimídia com pleno êxito. Ela se tornou uma “persona” nas redes sociais, mas sua imagem não está descolada da personalidade, do talento e da vida pessoal, pois a sua coragem e firmeza como profissional e mulher independente fazem parte do éthos da profissão que escolheu. Como se sabe, antropologicamente falando, éthos é o conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento e da cultura de uma coletividade — ou seja, nossos valores, ideais e crenças.
Weber resumiu a ópera: “A experiência com frequência amarga na vida profissional talvez não seja nem mesmo o mais terrível. Precisamente no caso dos jornalistas exitosos, exigências internas particularmente difíceis lhe são apresentadas. Não é de maneira alguma uma iniquidade lidar nos salões dos poderosos da terra aparentemente no mesmo pé de igualdade (…). Espantoso não é o fato de que há muitos jornalistas humanamente disparatados ou desvalorizados, mas o fato de, apesar de tudo, precisamente essa classe encerra em si um número tão grande de homens valiosos e completamente autênticos, algo que os outsiders não suporiam facilmente”.
Àquela época, as mulheres ainda não eram a maioria na categoria, como agora, muitas das quais comandando as redações, como a diretora de Redação aqui do Correio, Ana Dubeux. Mesmo assim, essas observações são atualíssimas e servem para elas, principalmente as que estão em começo de carreira, que sofrem duplo preconceito, por serem jornalistas e mulheres.
Trabalho cercado de jovens jornalistas. Encanta-me a forma como encaram a profissão, com sede de verdade e coragem para enfrentar os desafios de uma atividade que passa por mudanças inimagináveis quando comecei minha carreira profissional, lá se vão mais de 50 anos.
Era digital
O tema da violência faz parte da vida dos jornais e do jornalismo. Não raro, os jornalistas são as vítimas, como aconteceu tantas vezes no Vietnã, no Afeganistão e, agora, na Ucrânia. Nos grotões do nosso país, ainda hoje, segundo a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), são constantes as intimidações e os assassinatos de profissionais de imprensa.
Mas vivemos num mundo muito diferente daquele que Weber conheceu. Com a revolução digital, os meios de comunicação e os jornalistas perderam o monopólio da notícia. Ela chega pelo celular em tempo real, com imagens flagradas pelo cidadão comum — o “furo”, a notícia exclusiva no jargão das redações, nem sempre é nosso. Porém, mesmo assim, sua veracidade exige comprovação e ninguém apura as informações com mais precisão e processa as notícias com mais qualidade do que os jornalistas profissionais. A missão permanece a mesma; o contexto, os meios e as plataformas é que mudaram.
Somos diariamente desafiados a desnudar a verdade, confrontados por fake news, poderosos instrumentos de luta política, como foram os velhos panfletos apócrifos e publicações ficcionais, quase sempre contra o Estado democrático e/ou tratando os adversários como inimigos, muitas vezes jurados de morte.
Nessa guerra entre a verdade e as mentiras, os jornalistas são a infantaria da democracia, com a missão de desarmar seus inimigos. Não é uma empreitada fácil, porque o ambiente beligerante, que justifica essa analogia com a guerra, infelizmente hoje é uma triste realidade em nosso país — muito mais grave do que já era, porque há uma política oficial de promover a formação de milícias políticas, armadas até os dentes.
A propósito, a expressão monopólio da violência (gewaltmonopol des staates) foi cunhada por Weber, como atributo do Estado ocidental moderno — ou seja, o uso legítimo da força física dentro de um determinado território em defesa da sociedade. Esse poder de coerção é exercido pelo Estado por meio de seus agentes legítimos. Entretanto, para isso, é preciso um poder que os obrigue a respeitarem o contrato.
O Estado sozinho, absoluto, porém, não resolve o problema. É preciso garantir liberdade e direitos aos cidadãos. É aí que John Stuart Mill, no século XIX entra em cena em Sobre a Liberdade (1859): o Estado deve preservar a autonomia individual e, ao mesmo tempo, evitar a tirania da maioria.
Tudo é permitido ao indivíduo, desde que as suas ações não causem danos a terceiros.