Nas entrelinhas: Eleição pode ser decidida no debate da Globo

Não se deve fazer nada de inútil, tudo pode se decidir com base no condicionamento físico, na capacidade de discernimento, na verdade, no espírito e na vontade
Lula e Bolsonaro — Foto: Nelson Almeida/AFP e José Dias/Presidência da República
Lula e Bolsonaro — Foto: Nelson Almeida/AFP e José Dias/Presidência da República

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A campanha eleitoral entrou na reta final, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a um passo da vitória e o presidente Jair Bolsonaro, a dois. No universo das pesquisas eleitorais, pode-se dizer que é mais ou menos essa a distância da linha de chegada, considerando-se a margem de erro das pesquisas. Com certeza, será a decisão mais apertada da história de nossas eleições, mais até do que a vitória da presidente Dilma Rousseff (PT) contra Aécio Neves (PSDB) nas eleições de 2014.

A contestação do resultado da eleição de domingo será líquida e certa no caso de Lula vencer Bolsonaro, conforme sinalizam auxiliares do presidente da República, como o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e o ministro das Comunicações, Fábio Faria, autor de uma denúncia de manipulação de inserções de propaganda eleitoral por rádios do Nordeste. A declaração de Bolsonaro, ontem, sobre a análise da segurança das urnas feita pelo Exército, ao dizer que não foram conclusivas, nesse aspecto, corrobora a narrativa golpista.

Temos uma crise contratada no horizonte imediato, que está se armando faz tempo, mas que foi fragilizada pelo episódio envolvendo o ex-deputado Roberto Jefferson, ao disparar 50 tiros de fuzil e três granadas contra policiais federais. Eleitoralmente, acertou no pé de Bolsonaro. Jefferson está preso em Bangu 8, por tentativa de homicídio dos policiais federais e ofensas à ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (TSE), e ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, que cassou sua prisão domiciliar.

Os elementos

Terra — a disputa eleitoral pode ser decidida numa “guerra de posições”, na qual Lula e Bolsonaro se movimentam com objetivo de alterar o cenário que emergiu do primeiro turno. Bolsonaro tenta ampliar sua vantagem em São Paulo, virar a eleição em Minas e reduzir a vantagem de Lula no Nordeste. Lula resiste em São Paulo, avança no Rio de Janeiro, tenta manter sua vantagem em Minas e, sobretudo, ampliá-la ainda mais no Nordeste. Lula aposta nas grandes manifestações políticas, Bolsonaro no apoio de governadores e prefeitos.

Água — existe uma batalha ideológica em curso na sociedade, que já não se estrutura em classes sociais definidas. A chamada sociedade líquida. Essa batalha opõe reacionários e progressistas, num universo em que conservadores e liberais flutuam entre os dois polos, sem força para impor sua própria hegemonia. A extrema-direita dá o tom da campanha de Bolsonaro nas redes sociais, como no gesto tresloucado de Jefferson, impondo constrangimentos aos conservadores que o apoiam. No campo de Lula, a entrada na campanha de Simone Tebet (quem disse que ela não iria para o segundo turno?) mudou a qualidade de suas alianças, que evoluíram de uma frente de esquerda para, finalmente, a tal da frente ampla.

Fogo — a artilharia dos candidatos continua muito mais focada na rejeição dos adversários do que nos problemas do país, mas nem tudo é a baixaria das redes sociais. Qual será o principal divisor de águas da eleição? Lula bate forte no reacionarismo de Bolsonaro e seu projeto autoritário, de implantar uma espécie de Executivo forte, iliberal, dominante em relação aos demais Poderes. Também ataca Bolsonaro nos temas econômicos, que sensibilizam a população mais pobre, assalariados e aposentados. O presidente da República corre contra o prejuízo com o empréstimo consignado tendo como garantia o Auxílio Brasil, medida juridicamente questionável, mas que tem impacto junto aos eleitores de baixa renda, não se sabe a escala ainda.

Vento — Bolsonaro ataca Lula no seu ponto mais fraco: explicar o mensalão e o escândalo da Petrobras, invocando a Lava-Jato, operação que ajudou a encerrar. Mas tem o telhado de vidro da sua histórica relação com as milícias e a compra de imóveis com dinheiro vivo por seus filhos. O conservadorismo nos costumes dá voto para Bolsonaro de um lado, os evangélicos, mas joga no colo de Lula os intelectuais, os artistas, as mulheres e a juventude.

Vácuo — pode ser que a eleição seja decidia no debate de sexta-feira, na TV Globo, como num duelo de samurais. Esse é o vácuo da reta final. Nele, é preciso enxergar na escuridão. Não se deve fazer nada de inútil, tudo pode se decidir com base no condicionamento físico, na capacidade de discernimento, na verdade das coisas, no espírito e na vontade de fazer o certo. Num gesto e na força do olhar.

*Título editado.

Privacy Preference Center