“O Brasil não perde a oportunidade de perder uma boa oportunidade.” A irônica frase do falecido embaixador Roberto Campos não exclui de sua abrangência a política externa brasileira. É de justiça reconhecer, entretanto, que, ao longo do governo do presidente Michel Temer (PMDB), algumas oportunidades foram aproveitadas e permitiram progressos evidentes.
A política externa do governo anterior, como é bem sabido, contrariou as melhores tradições do Itamaraty sem trazer nenhuma vantagem para o Brasil. Tal crítica não pode ser feita à política externa estabelecida pelo governo Lula (PT), que, apesar de aspectos contraditórios, elevou o perfil brasileiro no cenário internacional.
O processo de impeachment de Dilma Rousseff encontrou o Brasil enfraquecido na cena global, não apenas pelos equívocos de sua política externa – como o inexplicável alinhamento com a Venezuela e a Argentina de Cristina Kirchner, além da complacência nostálgica com Cuba –, como também pelo retumbante fracasso de sua política econômica, que resultou na pior recessão da História do País. Durante o impeachment, o governo petista tentou de todas as formas desqualificar o processo, parecendo não ver que nenhum passo estava sendo dado à margem do texto constitucional. Não conseguiu impedir a saída da presidente, mas causou dano à imagem do Brasil no exterior, o que foi, no mínimo, impatriótico.
Houve sérias tentativas de pôr a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), o Parlamento do Mercosul (Parlasul), o próprio Mercosul e a Organização dos Estados Americanos (OEA), entre outros organismos internacionais, contra o impeachment. Até hoje Cuba, de forma inacreditável, não reconhece o governo Temer como legítimo. O saldo final da gestão Dilma foi a dramática perda de prestígio internacional do Brasil e a imposição de preconceitos à gestão Temer, que, finalmente, têm diminuído de forma paulatina pela adoção de uma nova política externa.
A nomeação do senador José Serra como ministro das Relações Exteriores e, posteriormente, de Aloysio Nunes Ferreira (ambos do PSDB), ainda no cargo, fizeram o Itamaraty retomar seu veio tradicional de universalismo, pragmatismo e defesa do interesse nacional, além de um saudável distanciamento da Venezuela e de Cuba. Assim, pouco a pouco o Brasil recupera sua estatura internacional entre os países do Brics e encaminha, no âmbito do Mercosul, boas negociações com a União Europeia, superando amplamente as questões de reconhecimento. O volume crescente de investimentos estrangeiros no Brasil mostra a volta da confiança no País e atesta a solidez da política econômica adotada.
Mesmo assim, no ranking de soft power da revista Monocle ocupamos o 25.º lugar, a pior colocação do Brasil desde que a medição começou a ser feita. Não só por não termos aproveitado o potencial da Olimpíada, em 2016, mas também pelo impeachment e pela dramática situação do Rio de Janeiro, principal cartão-postal do País. E, sobretudo, por não sabermos comunicar-nos com o mundo exterior.
Evidentemente, não podemos tapar o sol com a peneira e esconder nossas graves deficiências. Mas por falta de visão estratégica, e pelo não emprego de táticas que rentabilizem a potencialidade do Brasil, terminamos apequenando a capacidade de influência positiva de nossa imagem em nível internacional. Bem como não utilizando todo o nosso potencial para atrair investimentos privados.
Uma abordagem estratégica da política externa poderia, sem dúvida, ampliar a imagem das boas iniciativas do governo, com repercussões internas e externas, consolidando o legado reformista do atual governo e expondo ao mundo a potencialidade do País. Recentemente, artigos do presidente Michel Temer tiveram boa repercussão no exterior. É o tipo de iniciativa que deve ser ampliado.
Em conversas em Nova York, onde fui dar aulas na Universidade Columbia, ouvi manifestações de investidores e especialistas de que o Brasil é subestimado e subavaliado. Sobretudo porque as notícias refletem mais o lado perverso de nossa realidade do que os avanços. Na melhor tradição de que bad news are good news.
Alguns interlocutores se revelaram surpresos com a agenda de reformas em curso e o agressivo programa de concessões. Bem como com o avanço das práticas de compliance no País e a atuação independente do Poder Judiciário. Como se não soubessem o que se passa por aqui.
Entre as maiores economias do mundo, o Brasil é um dos únicos países a não ter instrumentos de comunicação – como, por exemplo, canais de TV por assinatura – em inglês sobre o País, entre outras iniciativas. A verdade é que, embora sejamos um país de dimensões continentais, continuamos a ser um enigma para a maior parte do mundo.
Não somos um paraíso para investidores e temos sérios problemas de segurança pública, mas somos melhores do que parecemos e, lamentavelmente, não sabemos contar a nossa história de modo adequado. E se não contarmos a nossa história, alguém o fará. Quase nunca de forma favorável.
Por fim, devemos retomar a tradição de assumir posição com ênfase em questões de direitos humanos, que nos trouxe reputação positiva nas esferas diplomáticas internacionais. O Brasil reduziu sua exposição nesse tema por causa de alianças e entendimentos com países que não primam pelo respeito aos direitos humanos. Por sermos complacentes, perdemos credibilidade. E credibilidade em política externa é algo precioso.
Em Davos, na Suíça, onde realizou uma bem-sucedida visita, após um período de quatro em que o Brasil ali não se fez representar no mais alto nível, o presidente Temer sustentou que o Brasil está de volta. A hora é de fortalecer o Itamaraty, que detém um legado diplomático consistente e testado para pavimentar essa volta, deixando claros ao mundo os avanços que estão ocorrendo no País.
* Murillo de Aragão é advogado, consultor, cientista político, professor, é doutor em sociologia pela UNB