Murillo de Aragão: O acaso sorri para Doria

Imaginem que um deputado federal que se manteve mudo em boa parte de seu único mandato na Câmara seja escolhido para ser ministro da Fazenda por conta das injunções políticas. Depois, esse ministro se elege governador de seu estado, vira candidato a presidente da República, é derrotado, lidera um golpe de Estado e se transforma em ditador. Tudo em pouco mais de quatro anos.
Foto: Heloísa Ballarini / Secom
Foto: Heloísa Ballarini / Secom

Imaginem que um deputado federal que se manteve mudo em boa parte de seu único mandato na Câmara seja escolhido para ser ministro da Fazenda por conta das injunções políticas.

Depois, esse ministro se elege governador de seu estado, vira candidato a presidente da República, é derrotado, lidera um golpe de Estado e se transforma em ditador. Tudo em pouco mais de quatro anos.

Essa é a trajetória de Getúlio Vargas contada magistralmente por Lira Neto em sua trilogia.

Imaginem agora a trajetória do prefeito João Doria (PSDB).

De celebridade do mundo dos negócios termina candidato a prefeito de São Paulo por conta da insistência do seu governador, Geraldo Alckmin (PSDB). Eleito prefeito, faz valer três características importantes hoje: uma imensa capacidade de trabalho, o uso intenso e eficiente das redes sociais e uma narrativa poderosa contra o ex-presidente Lula.

O sucesso dessas características o alavanca para uma situação de pré-candidato presidencial e a criatura ameaça engolir o criador.

Não é a primeira vez que tal fenômeno acontece em política nem será a última.

Em 1994, o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), não era o preferido de seu partido para disputar a Presidência, nem era o preferido do presidente da República, Itamar Franco (PMDB).

O senador Mário Covas (PSDB) queria ser candidato novamente, mas Itamar Franco pensava em seu ex-ministro Antônio Britto (PMDB). O Plano Real impôs FHC como candidato.

O acaso e as circunstâncias colocaram Fernando Henrique no lugar certo e na hora certa e com as virtudes certas para enfrentar o momento.

Até hoje a fortuna e as virtudes de Doria têm trabalhando a seu favor. Já mencionei suas virtudes. Falo agora da sua fortuna.

Geraldo Alckmin, seu patrono e competidor, é um candidato “analógico” que não empolga nem tem uma trajetória de sucesso inquestionável. Como governador do maior estado do país, centro financeiro, industrial e cultural do Brasil, teria a possibilidade de fazer um governo espetacular. Não o faz. Ponto para Doria.

No episódio da denúncia encaminhada ao Supremo pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer, o PSDB – como sempre – ficou dividido, nervoso e fragilizado. Aliás, o PSDB foi uma das vítimas da denúncia. Enquanto os caciques do partido se debatiam, Doria passou ao largo do problema a ponto de manter abertos seus canais de comunicação com Temer e o governo. Doria sabe que o apoio do governo federal, em uma eleição curta e sem recursos privados como será a de 2018, será decisivo na campanha. Mais um ponto para Doria.

Além disso, Doria não sofre significativa rejeição pela população, não é considerado um “político velho” e, melhor dos mundos, nada tem a ver com a Operação Lava-Jato. Pontos para Doria.

Mesmo tendo convivido de perto com a política e os políticos, nunca se envolveu em nada que possa comprometer sua imagem. Mais um ponto.

Ainda que estejamos longe das próximas eleições, o acaso – até agora – tem trabalhado a favor de Doria, que pode sair candidato pelo PSDB ou por uma coligação de partidos. No momento, temos partidos demais e candidatos fortes de menos.

Por suas virtudes e pelas circunstâncias, Doria poderá ser um candidato muito forte no ano que vem. Em especial, se o acaso continuar sorrindo para ele e sua narrativa prosseguir eficiente.

* Murillo de Aragão é cientista político

 

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