Em meio à densa névoa que cerca o futuro imediato, setembro trará os esclarecimentos
Chegamos ao final de agosto de um ano eleitoral com uma situação absolutamente inusitada em relação aos pleitos anteriores. Temos um candidato à Presidência da República que é presidiário e lidera as pesquisas de intenção de voto, mas não pode concorrer. Em segundo lugar, temos um candidato de um partido minúsculo, com pouca estrutura partidária. Temos, ainda, um candidato que possui uma superestrutura de campanha, mas não decola junto ao eleitorado. Trata-se de situação complexa e incomum.
O que torna as eleições deste ano tão diferentes das demais? Tenho algumas explicações. A Operação Lava Jato, que começou em 2014, no início da campanha de Dilma Rousseff (PT) à reeleição, e atingiu seu ápice com as sucessivas prisões de políticos. As investigações e os julgamentos causaram, pelo menos, três efeitos: o aumento do desprezo pela política e pelos políticos por parte da população, a mudança de algumas regras nas campanhas eleitorais e o enfraquecimento do governo da União.
Tais efeitos da Lava Jato são críticos. O desmonte da política, com a ajuda de um noticiário inclemente sobre a política e os políticos, levou a um imenso desencanto do cidadão e, em consequência, à busca pela renovação. Em termos de regras, teremos eleições mais curtas, bancadas com dinheiro público e com teto de gastos por candidatura.
O enfraquecimento do governo propiciou a fragmentação do centro político em três candidaturas. E a fragilidade do governo incentivou a fragmentação das oposições, divididas hoje em quatro candidatos de tons variados de esquerda. Ainda no que toca à fragmentação, o cenário lembra a campanha à Presidência de Fernando Collor, em 1989, quando o centro tinha nada mais, nada menos que sete candidatos presidenciais. Com o governo Sarney (1985-1990) muito enfraquecido, a capacidade de a máquina pública funcionar a favor de algum deles era remota.
A campanha de hoje lembra a eleição de Fernando Collor (1990-1992) ainda pelo fato de que Jair Bolsonaro (PSL) se respalda numa narrativa antiestablishment político, tal qual o ex-presidente em sua época. Tanto Collor quanto Bolsonaro atuaram fora do centro nervoso da política nacional para fazer campanhas fortes. Partidos tradicionais apresentaram uma campanha fraca em 1989, apesar das vantagens estruturais. A História se repetirá?
O passado traz outras lições. O referendo do desarmamento, de 2005, é uma situação que deve ser reexaminada. Naquela época, a aprovação da sofisticada campanha pelo desarmamento, recheada de atores globais e com o apoio quase unânime da imprensa, era considerada favas contadas. Até porque a campanha da defesa do “não” ao desarmamento foi conduzida de modo tosco e politicamente incorreto.
Nas vésperas do referendo, os institutos de pesquisa, como Ibope e Datafolha, davam a vitória do “sim” com folga. Erraram de forma surpreendente: mais de 63% dos votos foram contra o desarmamento. Os que apoiavam o “sim” ficaram com pouco mais de 36%. O politicamente correto foi derrotado.
A eleição deste ano desafia o senso comum por conta de diversos eventos que se sucedem desde 2005, ano do referendo sobre o desarmamento e também do mensalão. Passamos pela Lei da Ficha Limpa, por protestos de rua, pela nova Lei Anticorrupção, pela Lava Jato e pelo impeachment de Dilma Rousseff. Eventos de grandeza excepcional.
Para desvendar o enigma quatro questões fundamentais devem ser respondidas. A primeira é saber qual seria o tamanho da transferência de votos de Lula (PT) para o seu substituto, Fernando Haddad. Nos tempos gloriosos do mais popular presidente do mundo, Lula conseguiu passar 50% do seu prestígio para Dilma. Será que, estando preso, conseguirá repetir a façanha? Provavelmente com menor intensidade.
A segunda questão: será que uma campanha centrada nas redes sociais, como a de Jair Bolsonaro, pode suplantar o peso e a influência do horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão? Até agora Bolsonaro surfou nas redes virtuais sem adversário à altura. Mas conseguirá ele enfrentar as estruturas tradicionais e a má vontade da imprensa e dos paladinos do politicamente correto? Em apenso a essa indagação, faço a terceira: a abundância de recursos do PT e do PSDB vis-à-vis a escassez de recursos de Bolsonaro fará diferença?
A quarta questão reside no âmbito das narrativas. Entre os principais candidatos a presidente, apenas Bolsonaro e Haddad oferecem uma narrativa emocionante e com apelo. Os demais transitam entre o morno e o frio – a exceção é Ciro Gomes (PDT), cujos habituais rompantes mais assustam do que impressionam. As narrativas de Bolsonaro e de Haddad, impulsionadas pelo drama de Lula, serão suficientes para uma vaga no segundo turno? E Marina Silva, com a sua antinarrativa?
Se olharmos o passado, os que lideravam em agosto em outras campanhas passaram para o segundo turno. Por essa regra, Bolsonaro estaria no segundo turno. A situação de Haddad é mais complexa. Para avançar ele teria de obter, pelo menos, 50% das intenções de voto depositadas em Lula. É um desafio significativo.
Porém estamos vendo um eleitorado que joga com cartas altas e bem próximas do peito. Muitos não desejam abrir o coração e o verbo antes de setembro. Algo parecido com o referendo do desarmamento.
Ao final deste mês agosto o jogo ainda está indefinido. Parece que o eleitor se diverte com o nervosismo que suas indefinições causam no mundo da política. Em meio à densa névoa que cerca o futuro imediato, setembro vai trazer os esclarecimentos.
*Murillo de Aragão é advogado e consultor, mestre em ciência política e doutor em sociologia pela UNB (Brasília), é professor adjunto da Columbia University (Nova York)