O que dizer de um país que tenta levar adiante uma das mais importantes reformas econômicas para seu futuro enquanto imperam a desordem e a incansável balbúrdia do bolsonarismo?
Minha vida, meus mortos
Meus caminhos tortos
Sangue latino México, Argentina, Brasil, Equador. Separadamente, a Venezuela. A América Latina atravessa momento econômico — e político — bastante complicado. O risco sistêmico na região é, sem exageros, o mais elevado desde os anos 80. Não digo com isso que estamos prestes a testemunhar quebradeiras em série como naquela época, mas que a elevada vulnerabilidade de diferentes países resultante de caminhos tortos perseguidos no passado e no presente assusta.
Comecemos pelo México, onde a situação é fascinante e dramática em igual medida. Andrés Manuel López Obrador, ou AMLO, como é conhecido, anda colocando em prática vários truques do populismo de esquerda que sempre foi característico da região em diferentes épocas. Transformou o palácio presidencial em museu e foi morar em um apartamento modesto.
Vendeu o avião presidencial e viaja de econômica em voos comerciais. Circula em automóvel modesto apenas com seu motorista e um guarda-costas. De segunda a sexta-feira se apresenta, das 7 até às 8 horas da manhã, para entrevistas coletivas com a imprensa, durante as quais estabelece o assunto da conversa e fala de forma simples para o povo que ele diz representar — não tuíta muito.
O povo, por enquanto, está gostando: AMLO foi eleito com 54% dos votos, mas as últimas pesquisas de opinião mostram que ele tem índice de 80% de aprovação. Ou seja, quem não votou em AMLO está satisfeito com o que tem visto. Enquanto isso, o mercado anda preocupado.
A Pemex, empresa estatal de petróleo, foi recentemente rebaixada pelas principais agências de risco internacionais em razão das políticas de AMLO para a empresa e para o setor. O presidente insiste em construir refinarias que muitos julgam custosas e ineficientes e prometeu durante a campanha desfazer as reformas de seu antecessor responsáveis pela abertura do setor de óleo e gás. A Pemex é, hoje, a empresa de petróleo mais endividada do planeta, posição já ocupada pela Petrobras. Após o rebaixamento da nota de risco da Pemex e dos alertas das agências sobre a nota de risco do México, AMLO decidiu atacar as mensageiras em vez de reverter as políticas, em clara atitude populista.
Em clara atitude populista, AMLO também prometeu expandir programas de assistência social cujos retornos são baixos e cujos custos para o Orçamento são elevados, contrariando parte de sua equipe econômica. Caso leve esses planos adiante, porá em risco a situação fiscal do México, que poderá vir a ser agravada por rebaixamentos adicionais da Pemex ou da nota soberana. Caminhos tortos.
A Argentina assumiu os pecados de Cristina e tenta desesperadamente correr contra o tempo, a recessão, a inflação. O programa de reformas apoiado pelo FMI está sendo implantado, mas até agora tem tido pouco efeito na contenção das altas de preços — a inflação anualizada na Argentina já supera os 30%.
Embora o pacote do FMI seja suficiente para cobrir as necessidades de financiamento externo do país em 2019, o mesmo não pode ser dito de 2020. As eleições de outubro permanecem encobertas por incertezas, embora o campo kirchnerista do peronismo ainda esteja desestruturado, o que tem ajudado Macri a manter seu nível de aprovação na faixa dos 40%, apesar da recessão e das pressões inflacionárias. O que importa, por ora, é não estar vencido.
O Brasil, o que dizer do Brasil e de seu ciclo deplorável de notícias envolvendo o presidente da República e seu círculo íntimo? Como acreditar que exista milagre que separe a política do Congresso da política dos escândalos em série que circundam a Presidência? Bolsonaro, alvo de críticas tanto do campo progressista quanto do campo conservador — não do campo ultraconservador —, está cada vez com mais cara de que jurou mentiras e de que seguirá sozinho.
O Brasil que rompe tratados e trai os ritos. Que quebra a lança e lança no espaço. Sempre o mesmo grito, sempre o mesmo desabafo.
*Monica De Bolle é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics