Custo a acreditar que algum economista hoje aposte todas as fichas no quadro internacional para explicar a instabilidade econômica e política da América Latina
No último domingo, a Folha de S.Paulo publicou um longo ensaio de dois cientistas políticos sobre as relações entre a instabilidade política na América Latina e o que apontam como as causas fundamentais da instabilidade econômica — o título do artigo é “Frustração com economia alimenta revoltas na América do Sul”. Para sustentar a tese de que a instabilidade política da região provém da instabilidade econômica causada pelo tipo de inserção internacional das economias da região, os autores constroem um índice que se vale apenas das condições externas, a saber: a taxa de juros nos Estados Unidos e os preços das matérias-primas nos mercados internacionais.
A partir da construção do que denominam “Índice de Bons Tempos Econômicos” desde os anos 1960 até o presente, os cientistas políticos identificam momentos de instabilidade política justamente quando o indicador cai, isto é, quando o “bom tempo econômico” se torna um “mau tempo econômico”.
A ideia de que a instabilidade política e econômica da América Latina está intimamente relacionada com o quadro internacional — sobre o qual países da região não têm controle — não é nova. No fim dos anos 1940 e ao longo dos anos 1950 vários economistas latino-americanos de tradição cepalina desenvolveram a tese da dependência, ou teoria da dependência: a América Latina estaria fadada a conviver com ciclos de extrema volatilidade econômica por ser uma região tradicionalmente exportadora de matérias-primas, portanto, excessivamente dependente dos mercados internacionais. Economistas como Raúl Prebisch, um dos principais formuladores da teoria da dependência, abstiveram-se de relacionar diretamente volatilidade econômica com instabilidade política, embora elas estivessem muitas vezes intrinsecamente associadas em seus escritos.
Como bem sabem os economistas, correlação não é causalidade, e observar associações não equivale a dizer que a instabilidade política é causada por isso ou aquilo. Os autores do artigo da Folha do último domingo parecem tentados, pela elaboração de seu índice, a afirmar que a instabilidade política é causada pela inserção econômica internacional da América Latina, o que evidentemente ignoraria as características individuais de cada país como fator relevante. Mas o que mais me assombrou na tese foi o paralelo com o pensamento de Prebisch.
Muitos haverão de se lembrar de que a teoria da dependência desenvolvida nos anos 1940 e 1950 resultou nos desastrosos experimentos de vários países com as políticas de substituição de importações na América Latina nos anos 1960 e além. Industrializar por meio da substituição de importações seria o antídoto para neutralizar a volatilidade proveniente da dependência extrema dos humores do mercado internacional.
Como sabemos, não foi bem assim que a coisa se deu. Os setores protegidos tornaram-se cada vez menos competitivos ao longo do tempo, criando em vários países — sobretudo no Brasil — indústrias de baixo grau de competitividade e produtividade. As medidas usadas para implantar a substituição de importações — tarifas, cotas comerciais, regimes de câmbio múltiplo — transformaram-se em fontes adicionais de instabilidade econômica. Ou seja, a resposta ao diagnóstico de que toda a culpa pela alta instabilidade da região era do quadro externo levou a respostas de políticas públicas que exacerbaram essa instabilidade, em muitos casos desembocando em hiperinflações, crises cambiais e fiscais, moratórias e planos fracassados de estabilização macroeconômica.
Ao contrário, muitos atribuem a instabilidade às características políticas, sociais e econômicas de cada país, para além do quadro internacional. Ao mesmo tempo, muitos economistas passaram a incorporar a psicologia social e comportamental, além da pesquisa empírica, na área de ciências políticas, em suas análises. Há um reconhecimento claro da importância dos fatores apontados em 2010 pela Political Instability Task Force para explicar o risco de instabilidade política, a saber: se o país está inserido numa vizinhança politicamente instável, se as instituições democráticas são relativamente frágeis e se o grau de polarização política é alto. A América Latina atende aos três critérios.
Que os cientistas políticos e os economistas estejam cada vez mais preocupados com as interconexões de suas disciplinas para entender os fenômenos que estudam e observam é algo a ser comemorado. Que se aposte em explicações reducionistas sobre como a economia e a política interagem não é. Antes de ressuscitar Raúl Prebisch, deveríamos ressuscitar Albert O. Hirschman.
*Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins