Monica De Bolle: Relações alucinadas

Na próxima reunião do G-20, em Buenos Aires, estará exposta a rivalidade entre a China e os Estados Unidos.
Foto: Sergio LIMA / AFP / El País
Foto: Sergio LIMA / AFP / El País

Na próxima reunião do G-20, em Buenos Aires, estará exposta a rivalidade entre a China e os Estados Unidos

Às vésperas da reunião de cúpula do G-20 na próxima sexta-feira, o novo chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, escreveu para a Gazeta do Povo artigo em que explica a importância de ser Ernesto no atual momento. Dentre as razões listadas, diz ele que “algumas pessoas gostariam que o presidente eleito Jair Bolsonaro tivesse escolhido um chanceler que saísse pelo mundo pedindo desculpas”.

“Queriam uma espécie de ministro das Relações Envergonhadas”, diz ele, que pedisse desculpas a todos pela eleição de Bolsonaro. Alucinações exteriores à parte – que o dito artigo contém de sobra – o que me fez parar nesse parágrafo foi a incrível percepção distorcida da importância do Brasil no mundo. Sim, o noticiário internacional cobriu a eleição de Bolsonaro. Sim, a imprensa externa ficou abestalhada com as falas do ex-capitão sobre a democracia, a tortura, Augusto Pinochet, e tantas outras coisas mais. Mas daí a achar que o Brasil tem relevância geopolítica global a ponto de desculpas serem necessárias aos supostos parceiros é salto quântico do futuro ministro das Relações Exteriores.

O Brasil é uma das economias mais fechadas do planeta, está atrasadíssimo nos temas de convergência regulatória para o comércio e o investimento, não tem grande presença nos fóruns mundiais, o que ficará mais uma vez em evidência na reunião de Buenos Aires no dia 30 de novembro. Contudo, o novo chanceler julgou premente escrever um artigo cujo principal objetivo foi atacar de modo pueril os comentaristas da imprensa – aqueles que são “nutridos pela convivência com diplomatas pretensiosos”, ofendendo seus colegas de Itamaraty – e a ONU, deixando entrever o complexo de vira-lata que ainda está entranhado em algumas cabeças brasileiras. Afinal, se Trump ataca a ONU, o Brasil tem de atacar também. Se Trump ataca o New York Times, o Brasil tem de atacar também. Se Trump ataca a China…Sobre isso o futuro ministro resolveu não falar, por enquanto. As bravatas contra o jornal americano e a organização internacional são apenas isso – nem o New York Times, nem a ONU darão ouvidos à sinceridade de Ernesto. Mas a China, bem a China é diferente.

Na próxima reunião do G-20, estará exposta a rivalidade entre a China e os Estados Unidos. A América Latina como anfitriã do encontro, estará entre a cruz e a espada. Não têm condições os países latino americanos de escolher lado – os Estados Unidos têm grande importância para a região, mas hoje a China tem relevância maior.

Após quase duas décadas de ausência de uma política externa que priorizasse a região, a China ocupou o vácuo com investimentos e parcerias crescentes para tudo que é lado. Quando Bolsonaro ensaiou retórica trumpista em relação à China, o Brasil levou um chega-pra-lá imediato. A deduzir da admiração intensa que têm Ernesto Araújo e Eduardo Bolsonaro – que por ora, passeia aqui por Washington a discorrer sobre a política externa do novo governo para variadas audiências – pelo governo Trump, é provável que o discurso anti-China volte com alguma força. Assim como é bastante possível que o governo Bolsonaro queira adotar o estilo linha-dura do assessor de Trump para assuntos de segurança nacional, John Bolton, com Cuba e Venezuela.

Em tempo: o estilo linha-dura nada mais é do que um tanto de retórica inflamada misturada com ameaças de mais sanções financeiras na Venezuela e medidas semelhantes em relação a Cuba. Até o momento, as sanções tiveram pouca ou nenhuma eficácia no enfraquecimento do regime ditatorial de Maduro, que enxerga na beligerância a sua própria sobrevivência ao atacar os “imperialistas”. Se algum efeito tiveram as sanções, esse foi o de agravar a crise migratória venezuelana que atinge a Colômbia, o Brasil, o Peru, entre outros países latino americanos. Por fim, a China tem interesses econômicos tanto em Cuba, quanto na Venezuela. Difícil imaginar que ficarão quietos ante tentativas do governo Bolsonaro de comprar a briga ineficaz dos norte-americanos.

É difícil exagerar a importância de Ernesto ficar calado nesse momento tão delicado. Mas o novo chanceler, assim como o filho do presidente eleito que o entrevistou, tem sonhos de grandeza sincera. “Em matérias de grave importância, estilo, não sinceridade, é o que é vital”. Já dizia Oscar Wilde. Preparem-se para grandes alucinações externas e relações externas bastante alucinadas.

*Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University

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