Há ainda muito pouca reflexão sobre nosso problema de fundo, o acesso às oportunidades
Longe de Brasília, há uma adolescente guarani que sonha em ser advogada para defender os direitos de seu povo, que ela julga não estarem sendo respeitados. Longe de Brasília, há jovens negros tentando fugir do racismo e das terríveis estatísticas sobre mortes prematuras por meio da música. Longe de Brasília, há idosos produtivos, idosos com enorme potencial e vitalidade, que veem com assombro a perspectiva de ficarem parados depois da aposentadoria.
Esses são alguns retratos da realidade brasileira, da rica diversidade brasileira abordada no segundo episódio da série de Miriam Leitão sobre seu livro, História do Futuro. O programa leva a uma profunda reflexão sobre os rumos do País, sobre o que deveríamos almejar a partir do ano que vem.
Se restava alguma dúvida, a adolescente guarani, os jovens músicos do Neojiba – um dos programas prioritários do governo da Bahia –, os idosos dinâmicos de Santa Catarina e de outras partes do País revelam que o potencial do acesso às oportunidades para destravar a criatividade e a produtividade é imenso. O que falta é o princípio do acesso às oportunidades como regra, como parte integral das políticas públicas articuladas para qualquer esfera socioeconômica.
A jovem guarani tem pela frente árduo caminho para se tornar advogada, haja vista as dificuldades de acesso à educação. Os jovens do Neojiba vêm de comunidades extremamente carentes, onde a música é forma eficaz de mantê-los distantes da criminalidade, mas não é suficiente para integrá-los à sociedade. Os idosos, como bem observou um amigo, são cada vez mais jovens para se aposentar, porém velhos para trabalhar. Conhece essa realidade quem já teve de procurar emprego depois dos 60 anos (ou mesmo depois dos 45 anos): simplesmente, não há acesso ao mercado de trabalho.
Enquanto imperam essas dificuldades e obstáculos, limitamo-nos como economistas a entoar a liturgia do livre mercado, como se ele tudo resolvesse, como se as liberdades individuais e as desejadas conquistas de gente real pudessem ser resolvidas por meio da remoção de entraves criados pelo “Estado Grande”.
É evidente que o Estado inchado que temos traz mazelas e ineficiências – basta ver o último relatório do Banco Mundial sobre os obstáculos institucionais do País (o Doing Business 2018, recém-publicado). Amargamos a 125.ª posição entre 190 países, atrás do Irã, da Suazilândia, das Ilhas Salomão, de Honduras – e, sim, da Argentina. Contudo, as ineficiências do Estado inchado e de políticas que reproduzem essas ineficiências indefinidamente não significam que o mercado, sozinho, seria capaz de gerar o acesso às oportunidades de forma ampla e irrestrita.
O livre funcionamento dos mercados é condição necessária para a melhoria na alocação de recursos, mas ele precisa ser complementado por um Estado com visão moderna e realista a respeito dos problemas enfrentados pela sociedade brasileira. Entre os candidatos às eleições de 2018, entre novos partidos e velhos conhecidos, nada vi sobre essas questões.
Preocupados estão os mercados e os economistas com a continuidade das reformas, mas pouca reflexão existe sobre nosso problema de fundo, o acesso às oportunidades. A reforma trabalhista, necessária e importante, não resolverá o problema dos idosos, da falta de oportunidade no mercado de trabalho para parcela da população que tende a crescer vigorosamente nos próximos anos. A reforma da Previdência – caso seja em algum momento aprovada em sua forma original, não no amontoado diluído pelo governo Temer – poderá abrir espaço nas contas públicas para iniciativas que ajudem os jovens de origens diversas a integrar-se à economia. Mas, para isso, será preciso direcionar intencionalmente os recursos para tal finalidade.
Aguardo, não sem alguma aflição, o surgimento de alguém que faça da plataforma de acesso uma narrativa de campanha com propostas e substância. Gente para ajudar é o que não falta, como escrevi na semana passada sobre o Movimento Agora! e outras iniciativas que buscam não apenas a renovação, mas, sobretudo, a inovação.
* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University