Na realidade, as expectativas podem estar a revelar apenas o viés e os anseios políticos de cada um
“Não faça perguntas e não ouvirás mentiras”,
Charles Dickens,
Great Expectations
Em economia o termo “expectativas” refere-se às previsões e cenários que tomadores de decisão formam em relação à evolução dos preços, do consumo, da atividade econômica, das contas públicas, das contas externas. Expectativas podem ter impacto significativo nas decisões das empresas e dos consumidores: visões pessimistas sobre a economia podem levar firmas a desistir de investir, afetando empregos, a arrecadação futura do governo, a capacidade de consumo das famílias. Expectativas também influenciam a política econômica – se os formadores de preço acreditam que a inflação continuará a aumentar, provável será que o aumento necessário de juros para estabilizar preços tenha de ser maior do que o antecipado. Por fim, as expectativas têm papel político importante. Quantas vezes já não se ouviu dizer que “a melhora das expectativas mostra que o governo de xxx está fazendo um excelente trabalho”? Não à toa, muitas vezes as expectativas viram mote de campanha. O que poucos sabem é que as expectativas raramente são imaculadas. Em mundo cada vez mais polarizado, as expectativas estão crescentemente contaminadas pelo viés político de cada um, e isso é um problema para qualquer economista que queira delas extrair informações sobre o futuro da economia.
Como são apuradas as expectativas? De modo geral, são elas derivadas de pesquisas de opinião. Nos EUA, uma das fontes de expectativas mais utilizadas por economistas é a da Pesquisa de Consumidores da Universidade de Michigan. Nela, faz-se perguntas como “olhando à frente, o que você diria ser mais provável: que o país continuará bem nos próximos 5 anos, ou que haverá períodos de desemprego alto e recessão?”. Em seguida, respostas são compiladas e metodologias são aplicadas para transformá-las em algo mensurável que reflita relativo otimismo ou pessimismo. No Brasil, o Banco Central conduz a pesquisa Focus com participantes do mercado onde questionários são enviados para que cada instituição forneça sua visão sobre a inflação, os juros, o PIB, além de outros indicadores.
Pesquisas mais parecidas com a da Universidade de Michigan são feitas pela Fundação Getulio Vargas, além de outras instituições, onde o alvo é o público geral, não apenas o conjunto de pessoas que atuam no mercado financeiro. Essas informações são utilizadas para dar aos gestores de política econômica e para o resto da sociedade uma noção do estado da economia e de como deve ela evoluir nos próximos meses ou anos. Para que tal relação entre as revelações das pesquisas e o quadro econômico seja estabelecida, é necessário presumir que a amostra selecionada de indivíduos não contém qualquer viés que possa ser prejudicial às conjecturas formadas sobre a economia a partir das expectativas reveladas.
A premissa da ausência de viés nas expectativas é verdadeira? Estudos recentes feitos para os Estados Unidos e punhado de outros países onde o aumento da polarização política recente é visível revelam que não. Em artigo acadêmico publicado há poucos meses, três autores mostram que hoje, nos EUA, o viés político influencia diretamente e de forma crescente as expectativas sobre a economia (ver Mian, Sufi, e Khoshkhou, 2017, Partisan Bias, Economic Expectations, and Household Spending). Republicanos são mais otimistas em relação às perspectivas de crescimento, desemprego, inflação, enquanto democratas revelam o oposto. A eleição de Donald Trump em 2016 exacerbou essa tendência. Os autores também concluem que apesar das expectativas tortas, enviesadas, não há qualquer relação entre elas e a maneira como os consumidores se comportam. Ou seja, um republicano é capaz de dizer-se otimista com a economia sem que isso o torne um ávido consumidor. Tais evidências contradizem a tese dos economistas de que expectativas trazem informações valiosas sobre o futuro da economia. Na verdade, expectativas podem estar a revelar apenas o viés e os anseios políticos de cada um, sem qualquer relação com o andamento da economia ou com a avaliação de impacto da política econômica.
Não há, ainda, estudos semelhantes para o Brasil. Mas não é difícil imaginar que algo semelhante esteja ocorrendo no País e que as expectativas estejam prestes a ficar ainda mais enviesadas com as eleições que se aproximam. Para os economistas ansiosos em extrair da opinião pública “verdades econômicas” para justificar seus cenários, vale a advertência de Dickens, epígrafe desse artigo.
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* Monica De Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University