Não tardará para que conflitos em torno das reforma da Previdência apareçam com mais clareza
“Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder.” A frase, como muitos devem saber tamanha sua notoriedade, é de Dilma Rousseff. Na época em que a ex-presidente a proferiu em 2015, a opinião quase unânime era de que o amontoado de palavras sobre ganhar ou perder não fazia sentido algum, em linha com outros discursos e frases célebres de Dilma. Contudo, as reviravoltas no Brasil e no mundo que ocorreram nos últimos quatro anos tornaram o dito profético, sobretudo a asserção final: “Vai todo mundo perder.”
Quando esse artigo for publicado, já conheceremos o veredicto do Parlamento britânico sobre o plano de saída da União Europeia – o Brexit – negociado pela primeira-ministra Theresa May. Ao que tudo indica, May está encurralada. De um lado porque escolheu alijar das discussões parlamentares contrários ao Brexit tanto dentro de seu próprio partido, quanto na oposição. Tal estratégia para aplacar a base ruidosa de defensores do Brexit dentro do Partido Conservador deixou todos desconfiados: Theresa May, afinal, votou contra o Brexit. Portanto, seus correligionários sentem-se ou traídos ou ressabiados após a negociação de um acordo que, argumentam, não entregará o que tanto queriam.
Os argumentos sóbrios e os números frios, que mostram inequivocamente como sofrerá a economia do Reino Unido com a saída da UE estão sendo sumariamente ignorados pelos parlamentares dos dois partidos ante o estratagema de autoencurralamento que a primeira-ministra se impôs. Em caso de derrota do plano, todos perderão. No caso da menos provável vitória, todos também perderão – afinal, o Brexit é para lá de custoso em termos econômicos para a Grã-Bretanha.
Outro caso de autoencurralamento está em ampla evidência do outro lado do oceano. Há mais de três semanas, partes do governo norte-americano estão fechadas, funcionários públicos sem receber salários, por causa da intransigência de Trump com seu muro. Há notável quantidade de estudos técnicos mostrando que a imigração ilegal nos últimos anos tem sido menos pelo cruzamento da fronteira que separa o México dos EUA e mais por visitantes que entram no país pelos aeroportos com vistos válidos e permanecem após a expiração desses vistos.
Outros estudos revelam que barreiras físicas não são suficientes – ou mesmo viáveis em partes da fronteira, por isso não existem – para evitar, por exemplo, a entrada de drogas. É preciso ter aparato tecnológico mais sofisticado para tanto. Contudo, Trump prometeu entregar o muro durante a campanha, e agora finca o pé para tentar aplacar sua base de eleitores enquanto enfrenta democratas ávidos por investigá-lo em diversas frentes e por impedir qualquer de seus esforços legislativos. Enquanto não surge solução para o impasse, perdem todos. Quando surgir a solução, qualquer que seja, todos deverão também perder. A culpa pela paralisia prolongada e pela incapacidade de levar adiante uma negociação política deverá ser dividida entre Trump, republicanos, e democratas.
Voltando à frase de Dilma, ela remonta a uma reflexão interessante. A barganha privada, em que os dois lados tentam extrair algo do outro quando suas posições divergem, é mais simples do que a barganha política. Na barganha política há sempre um terceiro lado – os eleitores – a vigiar as negociações. Quando esses eleitores estão mais alinhados ao centro, a barganha política naturalmente acaba envolvendo concessões, ajudando a formar consensos e soluções para os embates. Contudo, quando esses eleitores estão polarizados nos extremos do debate, eles acabam agindo como força que enraíza posições duras. Nenhuma concessão no caso do Brexit, e portanto uma potencial derrota para May. Nenhuma concessão na questão do shutdown/muro de Trump, prolongando a angústia daqueles que sofrem diretamente e indiretamente os efeitos do fechamento parcial do governo. Conjecturo que nesses dois casos os impasses só poderão ser quebrados quando os custos de fincar o pé se tornarem excessivamente altos. Ou seja, quando ficar evidente que todos perderam, ainda que queiram posar de vencedores.
Encerro com uma breve nota sobre o Brasil. Não tardará para que conflitos em torno das reformas econômicas, sobretudo da contenciosa reforma da Previdência, apareçam com mais clareza. Temos no País um eleitorado polarizado diante do qual não foi exposta uma agenda econômica clara durante a campanha. Creio que estamos prestes a ver nossa própria versão dos encurralados do norte.
*Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University