Há ideologia de sobra, apenas não exatamente a que preponderou durante boa parte dos governos petistas
Foram oito minutos e mais um tantinho de perguntas e respostas com o anfitrião Klaus Schwab. Com o cenho fechado e nítido desconforto, o capitão-presidente apresentou-se à elite globalista na montanha durante a abertura da sessão plenária do Fórum Econômico Mundial.
O discurso conteve algumas mensagens sobre as reformas econômicas, sobre as intenções de abrir a economia brasileira, sobre a necessidade de acabar com o viés ideológico no País, apesar do viés ideológico estar presente, saudável, e viril no Ministério das Relações Exteriores. Houve, também, tentativa de sublinhar os compromissos do Brasil com o meio ambiente, apesar dos sinais contraditórios desde a campanha. Empenhou-se Bolsonaro em afirmar que seu governo pretende compatibilizar a preservação do meio ambiente e o compromisso com a biodiversidade com o avanço econômico, apesar das atitudes já tomadas em relação à demarcação de terras indígenas – de responsabilidade, agora, do Ministério da Agricultura. Contudo, nada disso compõe a real história do discurso de Davos em meio aos escândalos de corrupção que rondam a família do presidente no Brasil. A real história são os ecos do passado, sobretudo de um passado não muito distante.
Disse Bolsonaro que assumiu o Brasil “em uma profunda crise ética, moral, e econômica”, o que é verdade. Seus eleitores depositaram nele a confiança de combater a corrupção e a violência, o que levou o presidente a citar a escolha de Sergio Moro para a pasta da Justiça e da Segurança. Em Davos, Sergio Moro e Paulo Guedes foram apresentados ao mundo como os pilares de sustentação de muitas esperanças. “Tenham certeza de que, até o final do meu mandato, nossa equipe econômica liderada pelo ministro Paulo Guedes nos colocará no ranking dos 50 melhores países para se fazer negócios”. Apesar de algumas melhorias, o Brasil ainda amarga a 109ª posição dentre 190 países de acordo com o índice Doing Business do Banco Mundial. Subir ao menos 59 posições em 4 anos é a tarefa hercúlea que Bolsonaro acaba de dar ao seu superministro perante a comunidade internacional.
Mas, vamos aos ecos do passado. “Pela primeira vez no Brasil um presidente montou uma equipe de ministros qualificados”. Espécie de “nunca antes nesse país”? Aos fatos: a ministra da Agricultura, do DEM, é a ex-presidente da Frente Parlamentar Agropecuária, ou da bancada do boi; também filiado ao DEM do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e da ministra da Agricultura, o ministro da Saúde é investigado por fraude e licitação de caixa dois; Osmar Terra, ministro da Cidadania, é do MDB, ex-ministro de Temer, e será responsável pelo Esporte e a Cultura, além do Desenvolvimento Social; para o Meio Ambiente, temos Ricardo Salles do Novo, anteriormente do PP – partido que é antigo parceiro de corrupção do PT e do MDB –, além de réu por improbidade administrativa; a ex-assessora de Magno Malta do PR – outra sigla com passado nada reluzente – é a ministra de Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. Durante a campanha, Bolsonaro afirmou que reduziria para 15 o número de ministérios. Não conseguiu fazê-lo justamente em razão do inevitável toma-lá dá-cá que deu cargos a cerca de um terço do Ministério de 22 pastas. Todos qualificados? Há dúvidas ponderáveis.
“Nossas relações internacionais serão dinamizadas pelo ministro Ernesto Araújo, implementando uma política na qual o viés ideológico deixará de existir”, disse o presidente. Para quem se lembra do assessor especial para assuntos internacionais de Lula e de Dilma, Ernesto Araújo é uma espécie de Marco Aurélio Garcia invertido. Ou seja, há ideologia de sobra, apenas não exatamente a que preponderou durante boa parte dos governos petistas. Quando perguntado por Schwab como seriam as relações com a América Latina, Bolsonaro exaltou a ascensão recente de regimes de direita e de centro-direita: “Não queremos bolivarianos no continente, não queremos a esquerda no continente”. Será curioso ver como esse “novo Brasil” supostamente não ideológico lidará com o México de Andrés Manuel López Obrador.
Por fim, a imprensa. Lembram-se dos ataques de Lula e de Dilma à imprensa? Lembram-se dos “pessimistas adversativos” da ex-presidente, forma como ela se referia aos seus críticos contumazes dentre os quais me incluo? Pois Bolsonaro frisou em Davos que é alvo constante de ataques injustificados, preferindo deixar nas entrelinhas seus culpados favoritos – aqueles para quem negou-se a dar entrevistas. Em frente porque há um novelo de Queiroz nas costas.
*Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University