Uma possível ‘fusão’ entre a Aliança do Pacífico e o Mercosul daria ao Brasil uma conexão com o Pacífico
Já perdi a conta de quantas vezes li ou escrevi sobre o atraso comercial brasileiro, hoje especialmente visível em região onde vários países adotaram postura radicalmente diferente da brasileira. México, Chile, e Peru – três dos quatro membros da Aliança do Pacífico – serão em breve beneficiários do TPP-11, o Acordo Transpacífico do qual Trump excluiu os Estados Unidos no início deste ano.
Em meio às conturbadas negociações para modernizar o Nafta, o acordo comercial entre EUA, Canadá, e México em vigor desde 1994, o México tem reforçado a pluralidade de acordos comerciais que possui mundo afora. Ao contrário do Mercosul, que negocia há duas décadas com a União Europeia sem grandes avanços, o México possui acordo de livre-comércio com a região desde 1997.
Considerem: a segunda maior economia da América Latina tem rede de acordos comerciais abarcando 45 países, rede de acordos de promoção de investimentos que inclui 33 países, além de 9 acordos de complementação econômica com países latino-americanos. O Brasil? O Brasil possui acordos com um punhado de países latino-americanos tanto no âmbito do Mercosul, quanto fora dele. Há também acordos do Mercosul com o Egito, com a Índia, com Israel, e com a união aduaneira formada pela África do Sul, Namíbia, Botsuana, Lesoto, e Suazilândia. E, só.
Ao contrário do México, empresas estrangeiras sediadas no País não o utilizam como plataforma de exportação, dados os entraves burocráticos, fiscais, aduaneiros, regulatórios que existem no Brasil. Portanto, em contraste com o que ocorre no México, o País deixa de receber significativo volume de investimentos estrangeiros relacionados à atividade exportadora dessas empresas.
Ainda comparando as duas maiores economias latino-americanas, as tarifas de nação mais favorecida – ou, as tarifas negociadas no âmbito da Organização Mundial do Comércio aplicadas aos parceiros com os quais não há acordos de livre-comércio ou acordos preferenciais – para diversos produtos eletrônicos, máquinas e outros equipamentos de ponta são iguais a zero no caso mexicano, e de dois dígitos, em média, no caso brasileiro. Ou seja, nosso viés protecionista prejudica transferências tecnológicas que ocorrem naturalmente por meio das importações nos países mais abertos ao comércio exterior.
Como alterar essa realidade? Ultimamente, fala-se muito em abertura, em planos de aproximação com a Aliança do Pacífico, em avanços no acordo Mercosul-União Europeia, mas a realidade é que o Brasil não tem estratégia bem delineada para o comércio internacional. Parte disso vem da ausência de uma entidade unicamente responsável pelo comércio – a pauta do comércio divide-se entre o Ministério da Indústria e do Comércio, o Ministério das Relações Exteriores, e a Camex, hoje ligada diretamente à Presidência da República. Com essa estrutura institucional difusa, não é fácil traçar estratégias para a abertura da economia, ou para a negociação de acordos.
Há, portanto, espaço para repensar a estrutura institucional que temos, talvez aproximando-a da que têm os EUA, onde o principal responsável pela política comercial e pela negociação de acordos é o U.S. Trade Representative (USTR), agência diretamente ligada à presidência. Foi o USTR de Obama que negociou o TPP original, é o USTR de Trump que hoje lidera as negociações sobre o Nafta.
Para além da estrutura, urge definir diretrizes. A autoimposta redução de protagonismo dos EUA nas questões externas abriu grande espaço para que haja um realinhamento do comércio internacional entre os demais países – sinal evidente de que esse realinhamento ocorrerá são os renovados esforços para emplacar o TPP-11. Nesse sentido, a tão falada aproximação entre a Aliança do Pacífico e o Mercosul pode ser bastante proveitosa para o Brasil. Não há muita complementaridade nas pautas de produtos dos dois blocos, mas uma possível “fusão” entre a Aliança do Pacífico e o Mercosul poderia dar ao Brasil e seus parceiros do sul a conexão com o Pacífico necessária para uma eventual adesão futura do País ao acordo multirregional. Isso traria grandes benefícios para nós, já que ajudaria a abrir mercados importantes na Ásia, como o japonês.
Em matéria de comércio, o Brasil é, hoje, o apêndice do mundo. Caso continuemos a nada fazer, mais dia, menos dia, seremos extirpados.
* Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University