Monica de Bolle: Alta rotatividade

Que o Brasil trate de se cuidar, pois o País é a vítima mais vulnerável às vicissitudes de Trump.
Foto: White House
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Que o Brasil trate de se cuidar, pois o País é a vítima mais vulnerável às vicissitudes de Trump

Não dá nem para chamar de dança das cadeiras. Não há música, nem brincadeiras. A rotatividade dos mais altos escalões do governo Trump em meio às complicadas negociações do Nafta, à imposição de tarifas sobre o aço e o alumínio e ao repúdio global que as medidas geraram, ao possível encontro entre Trump e Kim Jong-un – o volátil líder norte-coreano –, é de arrepiar os cabelos. Depois da saída ruidosa de Gary Cohn, o principal assessor econômico de Trump e única pessoa do círculo íntimo capaz de frear os piores instintos protecionistas do ocupante da Casa Branca – agora irrefreáveis – foi a vez do secretário de Estado, Rex Tillerson, ir para o olho da rua. Não era surpresa que Trump e seu escolhido para o posto mais alto da diplomacia norte-americana já não se entendiam havia tempo. Contudo, a demissão de supetão conseguiu arregalar os olhos de todos os insiders aqui de Washington. Como outros antes dele, Rex Tillerson foi demitido por um tuíte.

Disse Trump sobre a demissão de Tillerson e sobre sua substituição por Mike Pompeo – ex-dirigente da CIA – que Pompeo e ele estão sempre “na mesma página”, isto é, não têm desentendimentos, sublinhando tacitamente as desavenças com Tillerson. “O Acordo do Irã foi terrível”, mas Tillerson não concordava com essa posição de Trump. Assim como dissera recentemente que o envenenamento do ex-espião na Inglaterra ocorrido na semana passada fora culpa da Rússia, tema que o governo Trump não quis discutir. O anúncio de que Trump deverá se encontrar com o líder da Coreia do Norte tampouco passou pelo crivo de Tillerson – o presidente norte-americano fez questão de dizer à imprensa que tomou essa decisão sozinho. Fossem os EUA qualquer outro país bananeiro, os estrondos ininterruptos da Casa Branca seriam o suficiente para jogar a economia no buraco.

Mas os EUA ainda são país onde a economia é pouco afetada pela turbulência constante do ocupante da Casa Branca. E, é quase unanimidade que Tillerson concorre ao posto de pior secretário de Estado nos últimos anos. Ainda assim, o rompante, a ruptura, e a indicação de Pompeo terão consequências. O novo secretário de Estado é tiete de Trump, além de ser a favor do cancelamento do acordo nuclear com o Irã apoiado pelos principais aliados dos EUA. Depois de irritar aliados com a imposição de tarifas sobre o aço e ao alumínio que afetam principalmente esses mesmos aliados, Trump agora torna o parco esforço diplomático de seu governo ainda mais tóxico. Geopolítica e comércio internacional, afinal, são dois lados de uma mesma moeda – aquela que é desbastada impiedosamente pelos caprichos de Trump.

Por quanto tempo aguentará a economia americana, sujeita a tantos sacolejos? Há pouco tempo comemorava-se a redução dos impostos e os bons ventos para a continuidade da expansão da atividade, com excelentes repercussões para o crescimento global. Ainda que alguns chamassem a atenção para os déficits crescentes e a dívida galopante dos EUA, tais alertas não foram suficientes para atenuar a euforia. O estímulo fiscal trumpista é choque de demanda positivo, impulsionando o crescimento e ateando fogo à inflação, ainda que ela tenha se mantido bem-comportada até o momento. Nas últimas semanas, entretanto, elementos adicionais foram somados a esse quadro: o protecionismo desenfreado de Trump e suas tarifas sobre matérias-primas representam choque de oferta negativo, o tipo de choque que reduz o ímpeto da atividade e atiça os preços simultaneamente.

Ora, se há estímulos de demanda e choques negativos de oferta ocorrendo ao mesmo tempo, só os muito ingênuos ou ignorantes a respeito da política econômica para acreditar que os preços permanecerão estáveis aqui nos EUA. É cada vez mais provável que a inflação ganhe fôlego em algum momento, forçando o Fed, o banco central americano, a intensificar o ritmo das altas de juros. Mercados estão atentos aos riscos associados ao estímulo fiscal, porém pouco preocupados com os riscos relativos ao protecionismo exacerbado.

A alta rotatividade do governo americano, e a ainda mais alta voltagem da retórica e da prática protecionista prometem, em algum momento, desarticular a expansão econômica. Que o Brasil trate de se cuidar, pois o País é a vítima mais vulnerável às vicissitudes de Trump.

* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University

 

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