Que venha a renda básica e que todos saibam quem participou e quem escolheu se abster
Ontem, foi lançada a Frente Ampla pela Renda Básica do Congresso Nacional, presidida pelo deputado João Campos. Seu presidente emérito é o ex-senador Eduardo Suplicy, que luta há décadas pela adoção da renda básica no Brasil e foi o autor da lei que estabeleceu a renda básica cidadã, promulgada em 2004. Constam da Frente todos os partidos com representação parlamentar, exceto um: o Partido Novo. Antes de prosseguir, esclareço: adesão ampla não é sinônimo de adesão total.
Aqueles que escolheram ficar de fora exercem sua prerrogativa. Seus eleitores que os questionem, ou não. O que não lhes é permitido? Interpelar aqueles que apontam a sua ausência em um esforço cujos frutos podem vir a ser o grande legado positivo de um período de resto marcado pela enorme tragédia em que se transformou o Brasil de Bolsonaro.
Não foram poucos os artigos que escrevi nesse espaço sobre a importância da renda básica desde que a pandemia chegou ao Brasil. Mesmo antes dela, já havia escrito sobre programas de renda mínima, como funcionam em tese e como foram implantados em algumas partes do planeta – inclusive em algumas partes do Brasil. Entendo a renda básica como algo fundamental para reduzir os alarmantes níveis de pobreza e de desigualdade, que foi agravada pela crise humanitária decorrente da pandemia.
Entendo-a, também, como uma política de Estado que visa a inclusão de todos os cidadãos, de modo transversal, em uma experiência de cidadania mais conforme às promessas da Constituição Federal. Em outras palavras, penso a renda básica como uma política pública que trará benefícios a todos, independentemente de gênero, raça, orientação sexual, entre outros status de discriminação. Em artigos anteriores publicados aqui apresentei os argumentos econômicos em favor da medida, como é possível desenhar um programa que atenda a determinados princípios sem sobrepesar no orçamento. Mostrei, em suma, como formular propostas que caibam no orçamento e que não onerem em demasia as contas públicas, nem apresentem riscos inflacionários, como alguns economistas temem.
Com a criação da Frente Ampla terei a possibilidade de discutir tais propostas com colegas membros do conselho consultivo que fui convidada a integrar. Nesse conselho há economistas, representantes da sociedade civil, ex-servidores públicos. Somos dez pessoas. Dez pessoas com a tarefa de auxiliar os integrantes da Frente Ampla a encontrar o melhor caminho para fortalecer a proteção social com segurança fiscal e responsabilidade com toda a sociedade brasileira. Sinto-me privilegiada por fazer parte desse grupo, que me dá a oportunidade de contribuir de outra forma com meus concidadãos.
A percepção desse privilégio torna intrigante para mim o comportamento de determinados atores políticos no Brasil em um momento em que muitos se mostram empenhados em construir uma rede de solidariedade para amortecer os efeitos da crise sobre aqueles que são mais afetados por ela. Os informais. Os mais pobres. Os três-quartos de crianças brasileiras que vivem nos 50% dos domicílios mais destituídos do País. Os autônomos, que vivem na gangorra da entrada e saída do mercado formal de trabalho. A massa de desalentados que a crise humanitária e o governo Bolsonaro criaram. Tiago Mitraud, deputado pelo único partido que não integra a Frente Ampla, afirmou que ele e correligionários seus só participarão dela se suas discordâncias forem levadas em consideração. Mais especificamente, afirmou em uma mídia social que a Frente precisa “abarcar outras ideologias”. Como disse, esse posicionamento é prerrogativa da agremiação política que optou por ficar de fora da frente. Mas cabe perguntar: quais as discordâncias? Quais as ideologias não-abarcadas?
Quando comentei que o Partido Novo era o único a não tomar parte na iniciativa – a constatação de um fato –, o deputado me interpelou publicamente afirmando: “você deve estar acostumada com políticos que não leem o que assinam e só querem sair na foto”. Esse é o retrato da forma como alguns atores agem politicamente no Brasil. Incomodam-se com a constatação de fatos e manifestam seu incômodo ofendendo diretamente não apenas a pessoa que os constata, como também seus pares no Parlamento que integram a Frente.
A Frente é ampla. Que venha a renda básica. Que todos saibam quem participou e quem escolheu jogar Resta Um.
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University