Economia mundial está desacelerando e este não é o melhor momento para o Brasil atrasar as reformas e perder tempo com bizarrices
O crescimento mundial está perdendo fôlego, e isso fica mais claro a cada nova rodada de projeções por organismos internacionais. Esta semana, a OCDE cortou novamente os números, e no dia seguinte o Banco Central Europeu (BCE) alertou sobre o crescimento da zona do euro. Itália, Turquia e Argentina devem fechar 2019 com retração. Alemanha e Canadá vão desacelerar fortemente. O Brasil será afetado pelo comércio mundial mais fraco, pela pressão no dólar e o impacto nos vizinhos argentinos, que são os principais compradores da nossa indústria.
O dólar esta semana voltou a R$ 3,88 a maior cotação desde dezembro. Ontem, fechou em queda, apesar do susto com as exportações chinesas, que despencaram 20% e fizeram o índice de Xangai recuar 4%. A moeda brasileira já devolveu praticamente toda a valorização que teve este ano. De forma geral, os países emergentes estão sentindo os efeitos da incerteza mundial, e as economias com problemas na conta-corrente têm sofrido ainda mais. O peso argentino chegou a cair 6,8% em um único dia, atingindo a mínima histórica na última quinta-feira. O Brasil tem um déficit externo pequeno e elevadas reservas cambiais, por isso, o real cai menos. Ainda assim, a nossa crise fiscal é um ponto de vulnerabilidade e o país não está livre de desconfiança.
— O cenário mundial mudou, e no Brasil vai ficando mais claro que a reforma da Previdência não será aprovada com a velocidade que muita gente apostava. A bolsa teve uma alta que não corresponde às projeções de crescimento do PIB e à rentabilidade das empresas. Se a reforma atrasar demais ou for muito diluída, os mercados poderão estressar — alertou a economista Monica de Bolle, diretora do Programa de Estudos Latino-Americanos da Johns Hopkins University.
Mônica enxerga vulnerabilidades em vários países da América Latina. O México passa por um momento de desconfiança após a eleição de Andrés Manuel López Obrador, AMLO, que tem um perfil econômico mais intervencionista. A estatal do petróleo do país, a Pemex, está muito endividada e recentemente sofreu rebaixamento da nota de crédito pelas três principais agências de risco. Além disso, o México é dependente dos americanos, e o presidente Donald Trump é adversário de Obrador.
A Argentina passa por esta crise cambial em um ano de incerteza política. O presidente Maurício Macri é favorito para as eleições de outubro, mas os argentinos devem viver um novo ano difícil, de inflação elevada e recessão econômica. A Venezuela está ainda no pior dos mundos: colapso político, social e econômico, e riscos de conflitos de desdobramentos imprevisíveis. O Brasil permanece na sua crise fiscal e tem a mais lenta recuperação da sua história.
— É um cenário que me lembra os anos 80, com risco de crise sistêmica na região, mas por motivos distintos em cada país. O investidor estrangeiro acaba vendo todos da mesma forma e isso pode mexer com os fluxos de capitais — explicou a economista.
O movimento do Banco Central Europeu na última quinta-feira seguiu os mesmos passos do Fed, o banco central americano. Ambos voltaram atrás na estratégia de normalização e aumento das taxas de juros. O Fed deu a entender que vai suspender a alta este ano. O BCE ressuscitou um programa de estímulo, três meses após interromper uma recompra de títulos públicos. O recado para o mercado financeiro foi claro: ambos estão preocupados com a desaceleração global.
É nesse novo contexto que o governo brasileiro terá que lidar com a nossa recuperação frágil. O comércio externo não será uma alavanca para o crescimento do PIB, e uma disparada do câmbio pode elevar os custos do crédito. A boa notícia é que, se o país fizer rapidamente o seu dever de casa, o Brasil passará a ser uma das poucas economias do mundo com capacidade para atração de investimentos. Mas há muitos riscos pela frente neste governo errático e, em alguns momentos, bizarro.
Esta foi uma semana em que o governo emitiu sinais que deixaram muitos analistas desconcertados. Do tuíte tenebroso ao vídeo ao vivo no Facebook para mandar rasgar as cartilhas de educação sexual. No meio de tudo, há o risco de que a retórica antiChina, como alertou o jornal “Valor”, cause danos reais aos investimentos no Brasil. Este definitivamente não é o momento de correr riscos, porque a economia global está ficando pior.