Míriam Leitão: Violência que atinge o país

É preciso reduzir a radicalização e fazer o caminho de volta a uma disputa serena em que as ideias e os rumos do país estejam no centro das discussões.

É preciso reduzir a radicalização e fazer o caminho de volta a uma disputa serena em que as ideias e os rumos do país estejam no centro das discussões

O Brasil viveu ontem o dia mais difícil da eleição mais tensa desde a redemocratização, com o ataque ao candidato do PSL, Jair Bolsonaro. A reação da maioria dos outros candidatos e grupos políticos repudiando o crime é um sinal de que o país pode estar começando a procurar um outro tom. O atentado a qualquer candidato que esteja legitimamente na disputa é uma ameaça à própria democracia.

Nesta campanha, houve tiros à caravana do ex-presidente Lula, no Paraná, e houve agora esse gravíssimo fato que foi o atentado contra a vida de Jair Bolsonaro. É preciso reduzir a radicalização no país e fazer o caminho de volta a uma disputa mais serena, em que as ideias e os rumos do país possam estar no centro das discussões.

O mercado financeiro teve a reação superficial de sempre. Avaliou que o atentado reduz as possibilidades de que a esquerda ganhe a eleição e por isso o dólar caiu, a bolsa subiu e o risco-país diminuiu. É particularmente irônico que se considere menor o risco depois de um atentado a um candidato que tem conseguido até agora atrair uma ampla parcela do eleitorado. Na verdade, a maneira como o país atravessará esse fato é que poderá dizer que grau de maturidade tem a democracia brasileira e que dará a dimensão real do risco Brasil, no sentido mais profundo da expressão.

Há muito tempo, o PT tem falado na suposta divisão do país entre nós e eles. De outro lado, o próprio Bolsonaro tem feito do enfrentamento a sua proposta de solução para os problemas brasileiros, usando inclusive o sinal de arma como parte do marketing eleitoral. Não se quer dizer com isso que sejam o PT ou o PSL os culpados. Só há um culpado, o autor do esfaqueamento. Mas é forçoso refletir sobre as causas desse momento de radicalização na política e torcer para que o próximo mês de campanha antes das eleições no primeiro turno se concentre nas discussões sobre propostas.

Não há saída fácil para a situação em que o Brasil se encontra. Esta eleição é completamente diferente de qualquer outra que tenhamos vivido. O ex-presidente Lula, preso em Curitiba, tem estado na frente de todas as pesquisas em que seu nome aparece. Na espontânea, o nome dele é o que tem a maior indicação, ainda que tenha caído na última sondagem. E ele está com sua candidatura impugnada. O PT não apresentou até agora o candidato que liderará a sua chapa, apesar de se ter como certo que será Fernando Haddad. Para completar, a lei sob a qual a candidatura de Lula foi impugnada foi proposta pela população, assumida e relatada pelo PT e promulgada pelo ex-presidente. A origem da lei que recai sobre o PT enfraquece ainda mais o discurso da perseguição ao partido.

Os próximos dias deveriam ser usados pelas campanhas, todas elas, inclusive a de Jair Bolsonaro, para refletir serenamente sobre quais serão os próximos passos. Se a resposta for mais radicalização, o clima ficará ainda pior, e mais perigoso, nas semanas que nos separam das urnas. Essa campanha é em tudo singular. A incerteza é enorme. As decisões estão sendo tomadas pelos eleitores agora.

É preciso entender que momento estamos vivendo. Olhar a cena completa. O Brasil viveu 21 anos sob ditadura militar, reconquistou a democracia depois de uma enorme luta e muito sofrimento. Comemora agora 30 anos de uma constituição democrática escrita por aqueles que foram escolhidos nas urnas. A democracia fez conquistas notáveis: estabilizou a economia, solucionou a dívida externa, desenvolveu políticas sociais de inclusão. Depois disso, iniciou um processo de luta contra a corrupção, fundamental para o futuro do país.

Apesar de todas essas conquistas, o Brasil entrou nesta oitava eleição presidencial desde o fim da ditadura num clima que tem se deteriorado dia a dia. E chegou ao ápice com o atentado a Jair Bolsonaro em Juiz de Fora. É preciso encontrar o tom certo nessa eleição, antes que seja tarde demais. A disputa sempre será intensa, mas deve se concentrar nas ideias e nas propostas de solução para os graves problemas vividos pelo país. O que permitirá uma transição pacífica para o próximo governo, seja ele liderado por quem for, será a capacidade de resposta que os líderes políticos, de todos os lados, souberem dar neste momento em que um candidato é esfaqueado em praça pública. A violência sofrida por Bolsonaro é inaceitável e atinge a todos.

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