O habeas corpus do ex-presidente Lula será, provavelmente, o início do novo entendimento do STF sobre o momento da prisão. “Não é um caso que vincula, mas nada impede que o próprio plenário decida que o benefício deva ser estendido”, diz um ministro do STF, que é contra a mudança. O ministro Gilmar Mendes, que é a favor, também diz que o julgamento permitirá a reavaliação da prisão após a 2ª instância.
Mendes estava ontem em Portugal, mas voltará ao Brasil na noite de terça-feira, desembarcando na quarta para o julgamento do recurso do ex-presidente. Ele me explicou que o HC está sendo julgado agora como uma ação subjetiva e não objetiva. Ele diz que: “no plenário, o tribunal pode fixar nova orientação em qualquer processo.”
Há, como se sabe, dois lados no tribunal sobre essa questão. Mas, quanto à interpretação do que acontecerá na quarta-feira, não há tanta diferença na prática. “Mesmo que a decisão seja proferida num caso concreto, ela sinalizará uma mudança de entendimento do plenário”, afirma outro magistrado.
O que vai ser decidido é se o ex-presidente Lula será preso ou não, dado que ele já foi julgado em segundo grau. Se o plenário conceder o habeas corpus, a decisão acabará valendo para outros condenados em segunda instância, explica-se no STF. “Se isso acontecer, será apenas formalismo discutir se terá repercussão geral ou não porque o jogo estará jogado”, explica um ministro.
Mesmo assim, o grupo que quer que o início do cumprimento da pena passe a ser apenas após o esgotamento de todos os recursos judiciais tentará em plenário garantir que a decisão vá além de Lula e seja de repercussão geral.
É mais do que uma semana cercada de expectativa, pode ser a mudança de direção do que havia se entendido até o momento. Em 2009, o STF votou pela prisão apenas após esgotados todos os recursos, o que leva a punição do condenado para “as calendas gregas”, na expressão de um ministro. Mas, em 2016, por três vezes o STF foi ouvido e nas três vezes decidiu que após o julgamento do mérito, ou seja, a condenação em segunda instância, o réu pode começar a cumprir a pena.
O primeiro julgamento do STF em 2016 sobre o assunto foi exatamente de um habeas corpus. O resultado ficou em sete a quatro a favor do cumprimento da pena após a segunda instância. Naquela época, o ministro Dias Toffoli votou com essa posição. Depois, ele mudou de ideia, tentando encontrar um caminho do meio: votou para que fosse ouvido pelo menos o Superior Tribunal de Justiça. Em seguida, houve uma decisão cautelar de ação declaratória que está com o ministro Marco Aurélio. Depois, num caso relatado pelo falecido ministro Teori Zavascki, de repercussão geral, seis votaram a favor de que a prisão fosse após a 2ª instância. Com esses três julgamentos, o assunto pareceu pacificado. Mas não, o debate foi reaberto e agora será novamente discutido a bordo do habeas corpus de Lula. Se, como tudo leva a crer, for formada uma nova maioria, a mudança favorecerá Lula e qualquer outro condenado, pelo crime que for.
Os defensores da prisão em 2ª instância têm expectativa de que a ministra Rosa Weber mude de posição, mas é apenas a expressão de um desejo. Parece pouco provável. Ela já disse claramente que acha que só após a última instância é que um condenado deve ser preso, excetuando-se casos muito específicos. A edição de ontem do “Estado de S. Paulo” lembrou uma de suas frases em que ela diz que não vê como ter uma interpretação diversa do que a do cumprimento da pena só após o julgamento final. Em outro momento, filosofou: “Fico a pensar o tempo a escoar entre os nossos dedos e nós privarmos da liberdade alguém que não tem contra si um título penal transitado em julgado.”
Toda a celeuma é em torno de uma falsa questão, porque os tribunais superiores não discutem o mérito. Então o “transitado em julgado” faz muito mais sentido que seja após a confirmação da sentença na segunda instância, sem prejuízo do direito de recorrer contra pontos específicos. Deixar para a última instância dará aos criminosos a grande chance da impunidade. O tempo jogará a favor de quem for condenado a qualquer crime no Brasil.