Míriam Leitão: Um dia na vida de Bolsonaro

Em reunião com empresários, Bolsonaro tenta atraí-los contra Dória. “É guerra.” Depois ataca Maia. Ele, o suposto gestor da crise
Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Marcos Corrêa/PR

Em reunião com empresários, Bolsonaro tenta atraí-los contra Dória. “É guerra.” Depois ataca Maia. Ele, o suposto gestor da crise

Basta um dia. Um dia é o suficiente para saber que o presidente Jair Bolsonaro é incapaz de gerir a crise dramática que o país vive. De manhã, ele vociferou contra os governadores, logo ao sair do Palácio. Depois, numa teleconferência, aos brados, convocou os empresários a atacarem o governador de São Paulo por manter o isolamento social. “É guerra”, ele diz. Acusou o presidente da Câmara de querer “afundar a economia para ferrar o governo”. O ministro da Economia, Paulo Guedes, reforçou o chefe e pediu que os empresários, “financiadores de campanha dos políticos”, os pressionem. Por fim, baixou uma estranha Medida Provisória que isenta de culpa os agentes públicos nesta pandemia.

– Vai morrer? Lamento, lamento. Mas vai morrer muito, mas muito mais se a economia continuar sendo destroçada por essas medidas (dos governadores) – disse ele logo de manhã.

O lamento dele não tem lamento. Não fala a palavra como quem a sente, o tom é aquele de sempre, voz alterada, como um capitão corrigindo recrutas. Sinceramente é difícil entender – psicólogos devem ser capazes de diagnosticar – uma fala assim sempre colérica. Não há um momento em que o presidente Jair Bolsonaro tenha um tom natural. Ele sempre lança as palavras como quem está atacando o interlocutor:

– O Brasil está quebrando. Vamos ser fadados a ser um país de miseráveis, como tem países da África subsaariana, temos que ter coragem de enfrentar o vírus – disse ainda na fala da manhã, em que avisou aos repórteres que só falaria se houvesse perguntas pertinentes.

E enfrentar o vírus para ele é o quê? É decretar a abertura de tudo, o funcionamento de tudo, mesmo que isso signifique o aumento exponencial do número de mortos e infectados. Certa vez ele disse, num desses brados matinais, que era preciso enfrentar o vírus como “um homem”:

– Um apelo que faço aos governadores, revejam essas políticas, eu estou disposto a conversar. Vamos preservar vidas? Vamos, mas, desta forma, o preço lá na frente será de centenas de mais vidas que vamos perder com essas medidas absurdas.

Era falso que ele estivesse disposto a conversar. Logo depois estava fazendo um violento ataque ao governador João Dória. Reunido em teleconferência com 500 empresários, Bolsonaro disse que eles tinham que pressionar governadores, como Dória. Segundo a sua delirante versão, os governadores estão “tentando quebrar a economia, para atingir o governo”.

– Os senhores, com todo o respeito, têm que chamar o governador e jogar pesado, jogar pesado, porque a questão é séria, é guerra – disse Bolsonaro aos empresários.

Voltou a criticar o Supremo por ter decidido que os estados podem decidir as medidas de proteção que acham mais adequadas:

– O supremo decidiu que cada governador é dono do seu estado.

O ministro da Economia mimou o chefe. Disse que invadiram suas prerrogativas, mas ele aceitou. E depois fez aos empresários um pedido. Dado que eles são financiadores de campanha, que pressionassem os parlamentares para forçar o apoio ao governo.

– Os senhores têm acesso ao presidente da Câmara e ao presidente do Senado. Trabalhem esse acesso para nos apoiar – disse Guedes.

Não houve propostas para o enfrentamento da crise, nem disposição para ouvir todos aqueles empresários que representam setores diferentes. Não houve na reunião nada que lembrasse, nem de longe, o comportamento adequado de um presidente no meio de uma crise.

Ao contrário, ele buscou o conflito. Como sempre. Acusou o presidente da Câmara, sem pronunciar o nome de Rodrigo Maia, por estar querendo “afundar a economia para ferrar o governo”.

Horas depois, ele abraçou Rodrigo Maia, recusando o cotovelo oferecido pelo deputado nos corredores do Palácio. O jogo de cena foi feito para ser filmado e divulgado. Maia contracenou porque quis. Assim, Bolsonaro pareceria um homem de diálogo, afinal, amanheceu falando que estava disposto a receber governadores e terminou abraçando Rodrigo Maia. No meio do caminho disparou artilharia em todos eles.

Na transmissão que faz às quintas-feiras, voltou com a mesma ideia fixa, de que tudo tem que voltar a funcionar. O presidente dedicou seu dia a confrontar governadores, o presidente da Câmara, e tentar fazer um conluio com os empresários para entrarem em sua guerra federativa. Nesse dia, morreram 844 brasileiros de Covid-19.

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